Quando Anatole Augier entrou no povoado, no fim da tarde, foi logo apontado por uns jovens que zanzavam por ali: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Daí por diante, até chegar ao centro, onde ficava a pracinha da Matriz e o coreto, cada pessoa pensava ou dizia entre dentes: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Já ia saindo do povoado, quando a mulher que estendia roupas no varal torceu o pescoço para vê-lo e avisou o marido que pitava à porta: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Um cavaleiro que seguia a trote pela estrada poeirenta, entre árvores frondosas, tocando a aba do chapéu, murmurou: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Levando as crianças ligeiro para dentro de casa, entre galinhas em polvorosa, a mulher de cabelos ruivos se benzeu: “Esse cara está com a corda no pescoço!”

O Sol já estava morrendo, mas seu último suspiro por sobre o horizonte foi para o Anatole: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Anatole parou num portão e bateu palmas para pedir um copo d’água. Cortinas se mexendo, silêncio total lá dentro. Só um pensamento saiu da chaminé: “Esse cara está com a corda no pescoço!” A noite foi entrando em estrelas que piscavam azuis e geladas: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Ao longe, na curva do caminho, a luz denunciava um armazém ou bar ou uma espelunca qualquer.

Anatole apressou o passo no escuro. Ouviu nitidamente de uma coruja o seu pio agourento: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Um senhor de nome Adamastor, casado com a Judite, cruzou com Anatole já bem próximo do bar e, puxando a aba do chapéu para baixo, cumprimentou: “Esse cara está com a corda no pescoço!”

Anatole chegou logo ao bar, entrou e recebeu vários olhares que anunciavam: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Sem se intimidar, foi até a mesa ao fundo, sentou e pediu um trago. Virou o primeiro, com careta. O segundo foi para rebater o primeiro. No sétimo pediu a conta. No ar pairava certa comoção que congelava a frase coletiva: “Esse cara está com a corda no pescoço!” Anatole pagou a conta, cambaleou para fora e, tropeçando feio na beirada da valeta, caiu de cara lá dentro e morreu afogado.

Rui Werneck de Capistrano é autor de Nem bobo Nem nada, romancélere de 150 capítulos.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.