
2 de maio 88
Otto, Acabei de ler o Journal Littéraire do grande Léautaud (os anteriores 19 volumes agora em três, completos, edição Mercure) – hoje sou doutor em velhinho sujo. Tão bom quanto o Rousseau? E mais engraçado. Como julgar um texto? Si je n’ennuie pas tout est parfait. O seu fabuloso diário, que grande, que único romance.
Registrou, dia a dia, quase 70 anos da vida literária francesa. Secretário perpétuo da revista Mercure de France, conviveu com os grandes da época: Gide, Valéry, Apollinaire, o jovem Malraux, quantos mais.
Olhinho vivo, orelha espertaf. Desabusado, irreverente, contestador. Cronista e crítico imparcial das grandezas e misérias do seu tempo.
Decerto um original. O espírito gaulês em carne e osso (mais osso que carne). Na reunião da Sociedade Protetora dos Animais, o champanha é servido por Mme. Cayssac que ao vê-lo, antes do brinde, prestes a beber: Trinquez au moins à La santé des bêtes! E o nosso herói, chegando na dela a sua taça, com o sorriso mais gracioso: À votre santé, Madame.
Tanto bastou para conquistá-la. Você e eu achamos que nem tudo se deve contar. Mas não ele. Duro consigo. Cru com os outros. Aqui, pardal. Serin, va.
Aos 70 anos, confessa três vícios – cigarro, café, minete. Só não traçou a mãezinha (abandonado aos quatro anos foi revê-la 20 anos depois!) pois na hora decisiva a ingrata arrepiou. Com ela teve os melhores sonhos eróticos até os últimos dias.
Edilson Pereira (O Estado do Paraná)