Pan Waly Total

Foto de Julio Covello.

Estreou na semana o documentário que levou o grande prêmio do festival É tudo verdade. O filme, dirigido pelo talento de Carlos Nader, foca um dos mais inquietos poetas brasileiros do século XX, o meu saudoso amigo (de tantos e tão longos périplos…), Waly Salomão. O título: Pan-cinema permanente. Nada mais fiel ao baiano nascido no sertão, do signo de Virgem, filho de árabe com bugra e que, como poucos, desafinou o coro dos contentes deste País onde a mediocracia, sobretudo “literária”, continua a dar o tom. Dos parnasianos d’antanho aos parnasianos do momento, sequiosos não de fazer literatura, mas de chegar à glória de uma entrevista no Estadão… Capazes de dar a vida por uma foto no jornal.

A ombrear-se com Waly nas disturbações do século recém-findo, cá no patropi dos bregas-urbanos, uma gente, com raras e altas exceções, mediocrizada ao abrigo acadêmico, só vejo o muito nosso Paulo Pauleira Leminski. Que morreu deixando dentro de uma mala (vazia) um estilingue. O resto foi a sua quase psicótica doação à literatura. Waly não tivesse morrido precocemente talvez acabasse cooptado pelo chamado sistema. Pode que sim; pode que não… A morte, contudo, cruel ironia, o salvou em definitivo de não ser Waly Salomão. Bocudo, inquieto, doido, irreverente, para o poeta genial de Algaravias, escrever era, antes de tudo, escandalizar.

Pela palavra nova, pelo discurso desabusado, na contra-corrente dos mauricinhos de plantão. E a vida, um teatro total. Lembro de nós, uma viagem a Araruama, litoral fluminense. Juba, batom, tamancas, brinco, o porre de um tonel. Juntou gente na rodoviária na madrugada que ali passamos a declamar Gregório de Mattos. Saracoteando. Não precisa dizer que acabamos na delegacia mais próxima, num flagrante de vadiagem.

Era comum a abordagem policial. Nunca esqueço: 1972, saindo de um show anterior aos Dzi-Croquetes, no Teatro Opinião, os canas nos encostaram à parede. Documento! Waly que acabara de lançar (literalmente!) várias cópias de Me segura qu’eu vou dar um troço em cima da platéia do teatro, ainda tinha um exemplar nas mãos. Mostrou o livro.

Os tiras viraram e reviraram o livro nas mãos. Waly disse que não tinha documento mas podiam conferir, ele era o autor daquele livro ali. E você? -grunhiu outro tira, para mim. Waly foi mais rápido que o meu medo: Esse aqui, “sinhor dététive”, me ajuda nos versos… Não vi Pan-cinema permanente e já gostei. Cine, teatro, performance, não importa, Waly era um passarinho trêfego. Isso é o que interessa. Como ele mesmo dizia, ao me flagrar, alguma vez, em lágrimas: a diferença, Bueno, é que a gente tem asas…

Wilson Bueno (16/11/2008) O Estado do Paraná.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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