Palestra multimídia

Participei de uma mesa-redonda de ficção científica. Éramos cinco palestrantes, eu incluído. Quatro deles abancaram-se diante dos microfones e abriram com nonchalance seus reluzentes notebooks. A coordenadora me perguntou: “Sua palestra não tem apresentação multimídia?”. Meio encafifado, admiti que não. Ela sorriu com simpatia: “Ah, claro, você é da Paraíba…” Levei a mão à peixeira, que felizmente ficara na Paraíba trinta anos atrás; e sorri.

O primeiro palestrante levou 15 minutos tentando enviar seu PowerPoint para o telão. A coordenadora tentou ajudá-lo, ela clicava numa coisa, ele clicava noutra, e a tela permanecia azul como um céu de primavera. Veio um técnico, que mexeu aqui, acolá, reiniciou o computador… Conferenciaram em voz baixa e comunicaram à platéia que era um problema de configuração. O palestrante desligou o laptop, tartamudeou algumas coisas e passou a palavra. O computador da segunda palestrante, influenciado pelo primeiro, também recusou-se a obedecer. Com o rabo de olho eu percebi que ela tamborilava no touch-pad quando ficava impaciente, o que arremessava a tela noutra direção.

O problema do terceiro palestrante resistiu inclusive ao desplugamento do cabo e replugamento com as cabeças invertidas. E o notebook do último funcionou que foi uma beleza assim que foi ligado, chegando a arrancar aplausos tímidos mas espontâneos da platéia. Ele projetou cerca de quinze imagens acompanhadas de texto. Apontava a imagem no telão, e lia para a platéia o texto que havia embaixo, enquanto a platéia seguia obediente a leitura, movendo os lábios em silêncio. Quando ele acabou, era minha vez. A coordenadora da mesa me sussurrou, agitada: “Sr. Tavares, devido aos problemas técnicos e ao adiantado da hora, o senhor vai dispor de apenas dois minutos para sua comunicação”. Eu tinha, como sempre, preparado uma palestra de uma hora, mas não me fiz de rogado.

Falei que um tema clássico da ficção científica é o da Tecnologia Órfã. Chamamos de Tecnologia Órfã a toda aquela que sobrevive à geração que a idealizou e construiu, e que sabia como pô-la em funcionamento. O escritor Gene Wolfe, por exemplo, já nos advertiu de que dentro de mais 50 anos seremos incapazes de mandar um homem à Lua, porque as pessoas que o fizeram uma vez e sabiam como fazê-lo já estarão todas mortas. A obsolescência, substituição e renovação de tecnologias estão acontecendo num ritmo ótimo para os fabricantes, que vendem cada vez mais, mas péssimo para os usuários. Não há tempo para consolidar know-how e interligar os processos culturais que acompanham a convivência com aqueles instrumentos.

Como dizia Belchior, “o que há algum tempo era novo e jovem hoje é antigo”. Desaprendemos as coisas antes mesmo de tê-las entendido por completo. Temos dinheiro para comprá-las, mas não temos tempo de ler o manual para entender como as malditas engenhocas funcionam, nem de saber para que servem.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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