Nosso insopitável Dante Mendonça revelou aqui, já não sei mais em qual estação, que prescinde de calendário para saber se é inverno ou verão em Curitiba. Basta ver como este vosso escriba está paramentado – se de bermuda e tênis, é o estio; se de gorro e cachecol, eis que chegou o frio e, com ele, por suposto, o inverno.
Concordo integralmente com nosso cronista. Mas apenas porque o saudoso E.G.C. (Ernane Gomes Correia) não existe mais, pois, para mim, ao tempo em que as temperaturas curitibanas batiam em severos graus negativos, quem me fazia dispensar calendários era ele. Prorrompia em plena Boca Maldita, o pescoço protegido por um cachecol tão comprido, mas tão comprido, leitor, que, mais um pouco, lhe pisavam a franja os sapatões lustrosos. Tonitruava, a voz de um grave profundo:
“Tempo de pinhão, Bueninho!!! Tempo de vinho e pinhão!!!” O cachecol, claro, descia sobre a invariável capa de gabardine, esta também usada, creiam, nos ardentes janeiros. As unhas de Jamil Snege, enormes sempre, de pantera, roçavam o rosto do E.G.C. Jamais esquecerei as mãos de Snege, roxas de frio. Ainda assim nosso genial escritor não perdia a deixa, e inquietava o pobre Ernane, a se auto-proclamar a Turca Louca da Antártida. A voz de E.G.C. trincava os espelhos do Café Avenida: “Ah, esse Turco! Esse Turco tem cada uma!…”
O volumoso exemplar do Estadão debaixo do braço, desguiava, o cachecol bordô a dançar sob a neblina fria. E enfiava-se no primeiro cinema.
Amo os invernos de Curitiba, assim como a memória do seu frio. Os fogões à lenha, nas casas polacas, recendiam a um perfume que, proustianamente me revisita, aqui e agora, neste insensato início de novo milênio.
À parte o cheiro bom da bracatinga queimando, lembro os “pães-bundas” tostados com banha de porco nas chapas. Ou a broa caseira assada nos fornos construídos a tijolo no fundo dos quintais. Polacos não há mais, a não ser alguns fiéis descendentes, como nosso Thadeu Wojciechowski, poeta de estirpe e que segue levando acesa a chama. Mas se estamos faltos de polacos originais, o inverno é quase o mesmo. Digo “quase” porque os frios da Curitiba de minha infância não se repetirão jamais.
Como reaver, face ao tempo voraz, as “ômamas” que era como a gente chamava as avós eslavas, com seus aventais de florinhas, encardidos na beira das pias e dos fogões? Como reconquistar, senão pela via da memória, essa deusa ambígua, as casinhas de madeira da Saldanha Marinho, esquina com Visconde de Nácar, com suas chaminés a elevarem ao céu cinza, o cinza ainda mais cinza da fumaça dos fogões?
O que há é o novo inverno e este vosso escriba, velho Dante, a vestir o mesmo terno. O que é uma rima mas não é uma solução.
28|6|2009/O Estado do Paraná