Levamos para as casas no campo a tecnologia da cidade. E para a cidade trazemos as pretensas delícias do campo. Vivemos o conflito. Queremos expiar uma culpa ancestral: a da migração desenfreada para a urbe, onde a luz elétrica atraía moscas, mariposas, abelhas e pessoas. O lampião a querosene faz uma fumaça nostálgica que embevece os corações mais renhidamente impregnados de fumaça de automóvel. Encontramos garrafas de plástico no meio da mais verde relva e, no centro da cidade, pessoas compram singelos adornos rurais para seus apartamentos.
Um carro passa com buzina imitando berrante. No pasto, no rebolo da bosta da vaca, baila um maço vazio de caros cigarros. Um ovo caipira é festejado na mais rica mesa citadina. Essas imagens ambulantes montam o espetáculo da dissipação com enredo baseado na cisão consumada do homem, correspondente à abstração generalizada da sociedade atual. Multifacetada, estilhaçada e hipnotizada.
O paraíso ilusório é construído em forma de mosaico tanto na cidade quanto no campo. A mercadoria impera. O homem do campo é o mesmo dos tempos imemoriais. Porém, um aparelho de som de última geração o joga no liquidificador do consumo absolutamente separado do seu mundo. O homem da cidade é tecnológico de nascença. Nasceu com telefone, com televisão e micro. Mas ornamenta sua cabeça com chapéu de couro e calça botas mostrando que é a mercadoria seu patrão e senhor. A revolução da mercadoria é a mais forte manifestação atual da sociedade. Não há nada literocultural, nada filosófico, nada sociológico em evidência. Há apenas garrafas vazias boiando em rios de merda, entupindo bueiros, provocando enchentes.
(Comentário: quando o poder da unificação mercadológica habita todas as regiões, o nivelamento acontece pela parte mais baixa. Chegaremos à igualdade pela força do que nos quer mais desiguais: o capitalismo.)
*Rui Werneck de Capistrano é assim mesmo, não adianta