22

Minha assimilação do punk rock foi tardia. Nasci em 1972, ouvia London Calling com 13 anos, 6 anos depois do seu lançamento. Já estava intimamente envolvido com Mozz e Marr. E foi através deles e da minha dedicação que conheci a geração anterior, americana, protopunk. Lembro do dia em que comprei os vinis de Fun House e Raw Power dos Stooges. Realmente, a banda mais perigosa da história do rock. Em Your Pretty Face Is Going To Hell, uma parede sonora, como aquela criada pelo gênio Phil Spector no início dos anos 60, se transforma num massacre de guitarras, liquidificadores e microfonias, descrito pelo crítico Edwin Pouncey, como “o som de um jato pousando na sua sala”. Nas apresentações ao vivo, tudo piorava. Ouvir Iggy Pop cantando Gimme Danger, com seu andar torto e seu peito cortado por vidro, em tiras de sangue e carne, é a experiência mais, realmente, insana que você poderá testemunhar. Amado por Sex Pistols, Jello Biafra, Black Flag, Kurt Cobain, Sonic Youth, David Bowie e Jack White, o The Stooges sempre foi o bando que me metia medo.
Até que a voz de David Johansen invadisse meu quarto. “When I Say I`m In Love You Best Believe I`m in Love L-u-v”. Ainda hoje me arrepio quando ouço a introdução da faixa 2 do disco de estréia do New York Dolls: Looking For A Kiss. A frase cita a música Give Him A Great Big Kiss das incríveis garotas do The Shangri-Las. Foram só dois discos e mais alguns registros das brilhantes apresentações, mas o New York Dolls, com muito pouco, sempre foi a banda mais sedutora que conheço. Desde Personality Crisis, no primeiro disco, até a Chatterbox de Johnny Thunders no segundo, passando por uma aula de erudição da música popular, citando Leiber & Stoller, Archie Bell, Sonny Boy Williamson. Tudo isso, os meninos faziam travestidos de bonecas punks. Essa vida curta e luminosa, tenham certeza, inspirou tudo o que veio depois, Glam, Punk Rock, New Wave.
Quando os Strokes surgiram, naquela capa famosa do semanário New Musical Express que dizia “Porque eles vão mudar a sua vida”, todos falavam do novo The Velvet Underground. Mas, da linda capa oficial de Is This It (uma das minhas preferidas, aquela da luva e do quadril feminino) até a estratégia de cruzar o Atlântico e divulgar o trabalho antes no apaixonado Reino Unido, tudo me lembrava a história do New York Dolls. Billy Murcia (de origem Colômbiana) e Sylvain Sylvain (judeu banido, com a família, do Cairo) tinham uma loja de roupas (soa familiar?) chamada “Truth and Soul”. Inspirados em uma loja de consertos de bonecas, chamada New York Doll Hospital, criaram a banda com Johnny Thunders, aquela espécie de Keith Richards punk. David Johansen (sacrilégio, o Julian Casablancas da história) veio depois com todas as suas canções. Arthur Killer Kane logo depois. Assim, eles fizerem o primeiro show, em 1971, num abrigo para sem-tetos. Amavam Marc Bolan, Stooges, Phil Spector, George “Shadow” Morton. Eram cheios da consciência de suas ironias. Ainda na primeira tour pela Inglaterra, sem nenhum disco ou single lançado, Billy Murcia intoxicado por Quaaludes, foi largado numa banheira gelada pelos “amigos” e morreu afogado, com 21 anos. Na época, o mesmo semanário NME, apontava para os Dolls: “Vimos o futuro da música”.
A partir daí, os Dolls eram uma febre. Tocando no 82 Club, Mercer Arts Center ou no Max`s Kansas City, assistidos por todos os pensadores e artistas de Nova Iorque, Bob Gruen, um dos maiores fotógrafos da história da música, define aquelas noites e dias, sombrios como delineadores de olhos, como “a coisa mais empolgante que eu já vi na vida”. O disco de estréia foi produzido por Todd Rundgren do Nazz e a banda foi eleita a melhor e a pior do ano de 1973! A clássica aparição no programa da BBC de Bob Harris influenciou toda aquela geração, muito em especial, vocês já sabem, aquele menino de Manchester que, recentemente, disse que a gravação de There`s Gonna Be A Showdown, um dos clássicos da música soul de Gamble and Huff, faixa 4 do lado 1 do segundo disco dos Dolls, é o que ele, definitivamente, levaria para ilha deserta.
Depois disso o mundo era deles. Um mundo de garotas diabólicas com saltos quebrados e homens travestidos perigosos e viciados, como disse Dee Dee Ramone. Uma dessas garotas, chamada Connie, cortou fora o polegar de Arthur Killer Kane em um ritual não explicado. David Johansen, numa tour pela Flórida, disse que não continuaria mais viajando com um bando de drogados. Johnny Thunders foi internado em uma clínica de reabilitação mas morreu, no início da década de 90, estranhamente, em um quarto de hotel de New Orleans. Jerry Nolan morreu de miningite. Arthur Kane participou da reunião promovida por Morrissey em 2004, mas morreu de câncer em seguida.
Nos últimos shows, na década de 70, Malcolm Mclaren (ele mesmo) vestiu os Dolls em roupas de borracha vermelha. Uma tentativa de trazer sentido político para o ato livre e instintivo da banda. Um laboratório experimental para o que aconteceria anos depois na Inglaterra. Ele errou com os Dolls. Aprender com o fracasso é importante. E então, Malcolm se apaixonou pela Blank Generation de Richard Hell e voltou pra Londres com a idéia dos Sex Pistols. Quanto aos Dolls, tudo o que é bom dura pouco. Mas é lembrado para sempre.
Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Sem categoria. Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.