Rui Werneck de Capistrano

zóioVinha andando e pensando. Ou, pensando, e andando, no Ed McBain e seu livro A mão sem corpo. Vejo essa gurizada que dá um milhão de tiros em cada jogo de videogame e me espanto. No capítulo III, tem uns parágrafos de parar a respiração. Acho que você – sei lá se gosta de descrições –, pode até deixar pra lá e ir ver fotos na Tribuna de hoje.

“A morte é profundamente desagradável e não há duas maneiras diferentes de encarar o assunto. Se você é uma dessas pessoas que apreciam os filmes onde um homem aciona o gatilho de uma arma e um pequeno jato de pó explode no peito da vítima, apenas pó e não sangue, então a Polícia não é trabalho para você. Da mesma forma, se você é uma dessas pessoas que olham um cadáver e acham que “parece estar dormindo”, é uma sorte que você não seja um policial. Se você pertencer à Polícia, saberá que a morte pouquíssimas vezes é uma coisa bonita, sendo, na realidade, o que de mais feio e assustador pode suceder a um ser humano.

“Se for da Polícia, já terá visto a morte em suas formas mais horripilantes, pois já a terá visto como resultado de explosões de violência. É provável mesmo que, mais de uma vez, você já tenha vomitado pelas coisas que viu. É mais do que provável que você tenha tremido de medo, pois a morte é a maneira mais terrível de recordar, ao mais forte dos seres humanos, que sua carne pode sangrar e que seus ossos podem partir-se. Se você for da Polícia, nunca se acostumará a ver um cadáver ou parte de um cadáver, não importa há quanto tempo você lide com eles, não importa o quanto você seja forte ou o quanto duro você se torne. “Não é nada reconfortante a visão de um homem esquartejado a machado. O crânio, peça óssea formidável, assume o aspecto de uma melancia partida, os talhos paralelos, os ferimentos desiguais, o feio sangue espalhado sobre a cabeça, o rosto e o pescoço, a garganta exposta, vibrando com cores brilhantes, mas vibrando apenas em cores, porque a vida se foi, porque a vida fugiu sob golpes rígidos da lâmina impessoal de um machado. Não é nada reconfortante.

“Não há nada de belo na decomposição de um corpo, de um homem ou de uma mulher, de criança ou de adulto, a formação de gases, a descoloração dos tecidos da cabeça e do tronco, a separação da epiderme, o desaparecimento da cor das veias, a inchação da língua, a gordura liquefeita e decomposta empapando a pele e produzindo grandes áreas de manchas amareladas. Não há nada de belo. “Não há nada de delicado em ferimentos à bala, a carne dilacerada e manchada dos bordos da ferida, a expansão subcutânea de gases, os tecidos queimados e enegrecidos pela chama e pela fumaça, os grânulos de pólvora entranhados na pele, os rombos na carne. Não é nada de delicado.

“Se você for da Polícia, saberá que a morte é feia, assustadora, desagradável. Se você for da Polícia, aprenderá a lidar com o que é feio, assustador e desagradável, ou terá que abandonar a Força.” Bem, hoje, nos filmes violentos, os mocinhos matam centenas e nem sentem nada. Claro que é ficção. Mas, a gurizada que assiste entra nessa de que a morte é banal.

É aficcionado e ficcionista.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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