Felipe Hirsch – 57

Desde os meus primeiros dias nessa coluna adio a hora de escrever sobre Prince. Sempre que considerava o assunto, achava o tamanho da minha paixão intocável. Como uma montanha inacessível, construída com dedicação e curiosidade palpitante. Por isso sempre chegava a acertada conclusão de que não conseguiria dizer tudo o que penso e que, uma, duas, três colunas não bastariam. Decidi falar assim então, pelas beiradas, detalhes dessa história, partes menos ou mais importantes do todo.

Veja Prince tocando sua versão de I Wanna Take You Higher do Sly and the Family Stone e entenda de que raiz clássica ele veio. Sly e Parliament e Funkadelic e Jimi Hendrix e por que não? Charlie Parker. É fato que o conheci através de 1999. Purple Rain já havia sido lançado e estava passando no Condor, um desses gigantes cinemas de rua, infelizmente esquecidos. Foi lá que eu o vi pela primeira vez. Correndo atrás de seus discos, ouvi Little Red Corvette primeiro. Depois, Darling Nikki, Baby I`m a Star, I Would Die For You (que me impressionou tanto a ponto de, 25 anos depois, eu repetir seus códigos de sinais manuais na peça Cinema, em homenagem aquele dia passado no Condor). Corri atrás de Controversy, Dirty Mind e comprei Around The World no dia do seu lançamento (eu começara a fazer teatro amador). Paisley Park é minha música favorita de sua longa discografia até hoje. Ele dificilmente a tocará, embora o setlist mude radicalmente todas as noites. Assim como a forma do show: curto e depois cheio de retornos ao palco (até 4 vezes). Ou longo e com um único retorno ao palco. Prince, nas suas horas de “folga”, passa noites tocando em jams que cruzam fins de semana, quando volta pra sua casa em Minneapolis. Lá, ele formou seus seguidores mais próximo e fiéis.

Lembro dele, no auge do sucesso, dizendo que não se contentaria mais em lançar um disco só por ano. Que lançaria até 5! por ano. Que se sentia inspirado para isso e que não cederia aos protocolos das gravadoras que insistiam em “trabalhar” seus discos nos rádios e nas tournées. Isso resultou na conturbada década de 90, marginal mas nem por isso menos inspirada e inspiradora para quem o seguiu. Foi no início dessa década que ele abdicou de seu nome para a Warner e lançou o famoso símbolo que o acompanharia até o início desse século. Pelo que eu me lembro também foi quando ele jogou, pelo menos, uma obra-prima no lixo, entregando Chaos and Disorder para completar seu contrato, sem finalização, sem divulgação e falando mal do resultado. Lá está outra das minhas preferidas: The Same December. Ainda em 1996, sendindo-se livre lançou, com fôlego, o álbum triplo Emancipation e escreveu a palavra “escravo” no rosto.

Sua atitude e relação com sua música me lembrava a de Frank Zappa, que também lançava discos múltiplos e em série. Mas Prince fora uma mercadoria pop esterrecedora na década anterior. E, no entanto, já havia dado sinais de que não se adaptaria aos modelos previstos. Já havia perturbado o mainstream, mesmo quando esse contava com sua participação obediente. Depois do sucesso de Parade, Prince gravou praticamente sozinho todo o disco duplo Sign O’ The Times. E foi este. Este era o disco que todos tinham que ouvir. Este era o disco que todos tinham que comentar e entender. Este disco, de 1987, fundamenta a famosa frase atribuída a Miles Davis: “Prince pode ser como Duke Ellington nesse tempo. Ele é o artista do futuro.”

O que ninguém imaginava é que, sendo esse artista, ele não nos esperaria, nós teríamos que correr atrás de suas criações. E a partir daí um mundo aparentemente caótico e kitsch, mas definitivamente místico e sexy (Prince é o responsável pelo clássico processo de Tipper Gore que levou à obrigação dos selos Parental Advisory) partiu na frente e muitos de nós ficamos pelo caminho, perdemos contato, esquecemos mas, confesso, eu nunca.

Corri atrás de uma cópia de seu Black Album, um dos piratas mais famosos de todos os tempos. Prince se recusou a lançar por considerá-lo bastante à frente de seu tempo. Disse também que o disco era diabólico e que ouvira isso de um anjo! Lançou em seu lugar Lovesexy, que é bastante parecido em sua textura, bastante diabólico e bastante à frente do seu tempo também. Com a internet tudo pareceu ainda mais caótico. Crystal Ball outra de suas obras-primas, um disco quíntuplo!, só foi vendido em seu site e muitos de seus antigos fãs nem ficaram sabendo disso. Muitos outros discos foram lançados assim, de forma amadora, e passaram a fazer parte das vidas de um círculo restrito e dedicado que o acompanhava na sua jam infinita. Ouvi Crystal Ball no squat que eu e meus amigos frequentávamos no centro de Curitiba. Longe dali, através do site NPG, Prince convidava os fãs para alongar as jams em “aftershows” ou em “soundchecks” ou em celebrações à vida dentro de seu estúdio em Paisley Park no Minnesota.

Só por um pequeno espaço de tempo Prince parece ter se arrependido do caminho escolhido: entre 2005 e 2007 na época da vitoriosa tourné de Musicology. Mas logo depois, a mesma enxurrada de discos de soul, jazz e funk, dois, três por ano e a surpreendente decisão de andar na contramão, vetando as postagens de seus fãs. Ele que foi o primeiro artista a vender discos, exclusivamente, na internet. E, por fim, o anúncio recente de que não lançará mais discos (será?). Prince disse: “em um mundo sem limites e possibilidades infinitas, chegou o tempo de, mais uma vez, acreditarmos em começar de novo”.

Felipe Hirsch (O Globo)

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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