Plantadores de memórias – ficção & realidade

No livro Mente e Cérebro, da Lauren Slater, tem uma experiência curiosa e reveladora: Perdidos no shopping. Vou resumir, calma! Consiste em ‘plantar’ memória na cabeça das pessoas. Os psicólogos pegaram pessoas e foram dizendo coisas como: ‘Lembra quando você se perdeu no shopping com três anos?’ E as pessoas iam se lembrando tanto que até descreviam as gôndolas, os produtos, a pessoa que a achou. Só que, na verdade, elas nunca haviam se perdido em shopping algum. Sugestionamento puro. E, quanto mais o tempo passava de um fato, a verdade ficava mais longe. As mesmas perguntas, repetidas espaçadamente, tinham respostas bem diferentes. Os psicólogos chamam voluntários de pesquisas de ‘objetos humanos’.

O interessante, pra mim, é que as pessoas, quando não conseguem completar uma história, inventam. A gente convive com o errado, mas nunca com o incompleto. Por isso, quando você fala pra alguém: ‘Lembra disso, assim-assado, né?’ A pessoa quer responder logo, com medo de ser ignorante. Diga: ‘Pô, claro que você estava lá! A gente subiu na pedreira e aconteceu isso e aquilo.’ A pessoa é capaz de completar a aventura por conta própria, sem ter estado lá.

Os livros de memórias são, quase sempre, ficção. E os de ficção, que se diz serem baseados na realidade, passam longe dela. Somos fragmentários, terrivelmente fragmentários. Um poço sem fundo de coisas que se acumulam e acham um lugar, claro ou obscuro, pra ficar. Lauren fala de alguém que está inventando uma espécie de ‘tratamento’ pra memória. Teremos toda nossa vida passada facilmente acessada, como se fosse um arquivo no micro. Aí, será um salve-se quem puder! Como se desmontássemos um carro, peça por peça. Ah, aqui está a parafuseta quebrada! Só trocar e pronto: montar tudo de novo. Mas, será que poderemos consertar a cabeça? Uma coisa que sempre pensei: como é que o remédio que você toma pra uma doença sabe direitinho aonde ir? A Lauren me sossega: o Prozac, por exemplo, última novidade, ninguém sabe como funciona direito. Ela diz que tomar uma droga pra ir a um pontinho mínimo do cérebro é como derramamento de petróleo no mar. Vai pra todos os lugares. O que mais atinge?

Compara o Prozac com a ‘antiga’ lobotomia: dois furinhos na cabeça e uns fios desligados aleatoriamente com bisturi, sem anestesia. Se os sintomas da depressão ou da ansiedade parassem, sorte. Lauren diz que não se sabe o que o Prozac faz no entorno, no tecido são. Aliás, é só ler as contra-indicações numa bula de remédio e ninguém tomará mais nada. Haja

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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