Virou até moda, por exemplo, a proclamação de que se é um marginal da classe média. Ou mérdea. A segunda forma, num tempo em que o jogo de palavras e o uso da palavrada passaram a valer como sinal de talento, é mais elegante. Mérdea. Podendo grafar isso, então, é o fino do espírito. Compõe bem. Soa a criativo. E, útil, começa a faturar, o que é conveniente e de oportunidade boa.
Mas da classe média você não vai escapar, seu. A armadilha é inteiriça, arapuca blindada, depois que você caiu. Tem anos e anos de aperfeiçoamento, sofisticação, tecnologia, ah o cartão de crédito, o cheque especial, o financiamento do carro, da casa própria e do resto da merdalhada que for moda e, meu, sem ela você não vive. Não respira, é ninguém. Ou melhor, é nada: você já virou coisa do sistema. E não pessoa. Dane-se. Futrique-se, meu bom, meu paspalho, pague prestação pelo resto da vida. E o carro, é preciso o carro. Os donos da arapuca querem você comprando. Compre. E de carro. Ande de carro, ouça música e veja filmes no carro, coma no carro e trepe ali.
Todos os leros. Todos os embelecos, do automóvel ao secador de cabelos, principalmente você deve comprar o de que não precisa. A tevê vai te comandar a vida, meu chapa. A cores. E destas regras do jogo não vai escapulir. Bufanear a classe média, pajear, aturar e ser como ela. Quer queira, quer não.
Afinal, já não está em tempos em que possa pensar com sua cabeça. Ô, meu, você é só manada. Bem pequenininho, lá, no meio da manada. E quieto, bom comprador. Esbirro, sabujo, capacho.
João Antônio, 1937|1996