O Capitalismo começa como uma espécie de realismo pragmático, mas depois de um certo ponto degenera em delírio quantitativo. No começo, ele é materialista até a medula. Escarnece da religião, faz pouco das ideologias, torce o nariz para a arte, dá um chega-pra-lá em todos os subjetivismos e diz que no mundo somente as coisas materiais contam. Só conta o que dá resultado, o que gera riqueza, o que produz. É nessa fase, por exemplo, que as manifestações artísticas são enxotadas para o sótão dos “Passatempos Para Gente Desocupada”. Por que perder tempo com coisas que provocam apenas prazer estético e enriquecimento espiritual? Já que ninguém pode quantificar prazer estético, ninguém pode lucrar planejadamente com ele. Quanto ao enriquecimento espiritual, pra começo de conversa não existe essa coisa chamada espírito.
Na sua fase produtiva, o capitalismo impõe um culto à produção, à matéria, às transformações das matérias primas em produtos. Esse culto é tão forte que contaminou o próprio comunismo, em suas tentativas falhadas de substituir o adversário. Estatizando o Capital e glorificando o Trabalho, o comunismo perpetuou e ampliou as ladainhas à máquina, à indústria, à produtividade, à transformação da natureza. Materialista por definição, o comunismo foi, neste aspecto, uma mutação avançada do capitalismo. Só existe o que é “material”.
O que destruiu o capitalismo e vai destruir o mundo (não se enganem) é o estágio seguinte, em que a Matéria cede lugar ao Símbolo. O capitalismo deixa de ser concreto e passa a ser abstrato. Já não conta mais quantas moedas de ouro você possui, e sim quantos zeros você acumula em suas contas bancárias. O Capitalismo Financeiro sucedeu ao Capitalismo Produtivo e começou a tirar milhões de coelhos virtuais de dentro da inesgotável cartola das manipulações bancárias. É irônico que um sistema de pensamento tão voltado para o que é sólido tenha se desmanchado no ar com tanta facilidade; e que as “águas glaciais do cálculo egoísta” tenham se evaporado nessa neblina impalpável, nessa nuvem dos trilhões de dólares inexistentes que são negociados todos os dias nos mercados mundiais.
Trilhões de zeros que bancos, empresas e países vendem, compram, revendem, emprestam, dividem, partilham, multiplicam, como se esses zeros todos valessem alguma coisa, como se existisse algum lastro produtivo (ouro, prata, grãos, capim, sei lá, qualquer coisa que servisse para algo no mundo real). O Capitalismo embebedou-se de Capital, passou a se alimentar não de produção mas de ficções financeiras, como um drogado que deixa de comer e de beber água, para poder continuar se drogando.