“Sem Limites”

O filme de Neil Burger (“Limitless”, 2011) é considerado um filme de ação e aventura, mas nada nos custa considerá-lo ficção científica, uma vez que ele traz uma nova versão de um tema antigo no gênero: a droga miraculosa que aumenta a inteligência das pessoas que a tomam, e encurta sua vida drasticamente. Edward Morra é um escritor boêmio, cabeludo, que vive no apartamentozinho infecto de todos os escritores, e está há meses sem conseguir escrever uma linha sequer do romance pelo qual a editora lhe deu um bom adiantamento (que ele já gastou por inteiro). Num encontro casual, um amigo lhe dá para experimentar uma droga “em período de testes, ainda fora do mercado” que acelera incrivelmente a inteligência. O amigo é assassinado e o acaso deixa nas mãos de Edward um frasco inteiro de comprimidos, dos quais ele se vale para tornar-se em poucas semanas um operador milionário da Bolsa e meter-se com gangsters e plutocratas de todo tipo.

Segue-se uma previsível história de chantagens, ameaças, perseguições e assassinatos, sem os quais o cinema norte-americano não consegue preencher a hora-e-meia necessária a um filme.  As cenas em que o protagonista está sob o efeito da droga são as mais envolventes, porque parece que a equipe inteira tomou uma pílula e o que vemos é um uso acelerado e instável de efeitos especiais, acompanhando a rapidez mental e a desorientação características de quem está sob efeito de uma substância aceleradora.  O roteiro tem boas sacadas mas vê-se obrigado a cumprir certos rituais obrigatórios no cinema de hoje (o escape no último segundo, a luta desigual vencida pelo “artista”, etc.).

O melhor filme de Neil Burger é “O Ilusionista”, com Edward Norton no papel de um mágico de palco no século 19. Ali, a narrativa e a ambientação criavam um clima fantasmagórico onde nada parecia real. Em “Sem Limites” (e no romance que lhe deu origem, “The Dark Fields”, de Alan Glynn) temos de volta dois dos principais temas da FC dos últimos 30 anos: 1) drogas aumentadoras de inteligência; 2) indivíduos com a capacidade quase sobrenatural de absorver quantidades gigantescas de dados e discernir padrões que os outros não percebem.

A literatura cyberpunk se fundamenta nessa inteligência tecnologicamente otimizada. Ao que parece, o homem do século 20 será definido por essas duas características, tal a obsessividade com que a literatura e o cinema vêm inculcando no público a consciência desse fenômeno. Quando a massa de informações disponíveis torna-se absurdamente grande, quem não for capaz de ver as coisas como Edward Morra sob o efeito do NZT-48 será equivalente a um cego, ou um analfabeto, no mundo de hoje.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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