A volta do parafuso

Esta noveleta de Henry James (1898) é um clássico da literatura de terror, e teve uma ótima adaptação para o cinema (“Os Inocentes”, Jack Clayton, 1961 – aqui, uma boa e informativa crítica de Colm Tóibín: http://bit.ly/SXIoxz). É a história de uma governanta que vai cuidar de um casal de crianças (10 e 8 anos) numa mansão assombrada pelos fantasmas de um casal de criados que, quando vivos, estavam fazendo tudo para perverter o garoto e a garota. A governanta vê os fantasmas; as crianças parecem não vê-los, e tudo conduz a um desfecho trágico.

Já correu um Açude Velho de tinta a respeito desse livro, que é um dos grandes exemplos do que a gente chama “o fantástico todoroviano”. A teoria de Tzvetan Todorov é de que uma história legitimamente fantástica é aquela que permite o tempo inteiro duas leituras: uma leitura sobrenatural (os fantasmas existem de fato) e uma leitura realista (tudo não passa de um delírio provocado pela sexualidade reprimida da governanta). As duas leituras estão entrelaçadas, e qualquer pessoa que queira defender uma delas encontrará numerosas pistas ao longo do texto.

Um aspecto que se discute menos sobre esta pequena grande história é que James foi um dos primeiros e melhores formuladores da teoria que hoje chamamos “Não Mostrar o Monstro”. Quando queremos assustar o leitor, é melhor a abordagem indireta, que sugere mas não afirma, implica mas não descreve, deixa tudo à imaginação do próprio leitor. Amigo de Robert Louis Stevenson, James talvez tivesse em mente, ao escrever, o clássico “Dr. Jekyll e Mr. Hyde” que o amigo publicara em 1886, e onde a natureza exata das perversidades de Mr. Hyde não fica bem clara.

Diz James, no prefácio à edição de Nova York de “A Volta do Parafuso”: “Já vimos, em ficção, uma forma magnífica de malfeito ou, melhor ainda, de mau comportamento, atribuída, vemo-la prometida e anunciada como se fosse pelo bafo quente do Abismo – e então, lamentavelmente, reduzida ao âmbito de alguma brutalidade específica, uma imoralidade específica, uma infâmia específica retratada. (…) [Para evitar isto,] basta tornar bastante intensa a visão geral que o leitor tem do mal, calculei – e essa já é uma tarefa charmosa – e sua própria experiência, sua própria imaginação, sua própria compaixão (pelas crianças) e horror (dos falsos amigos delas) lhe fornecerão, de forma satisfatória, todos os pormenores.

Faça-o pensar no mal, faça-o pensar por si, e você estará livre das frágeis especificidades”. O que é induzido e sugerido se multiplica em um milhão de fantasias de horror nas mentes de um milhão de leitores. E cada horror será personalizado.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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