Millôr: Palavras, palavras

foto_post_Verissimo-copyJá contei o coup de théâtre do Millôr numa Jornada Literária de Passo Fundo, quando ele leu um discurso em defesa da democracia e dos direitos humanos que empolgou a plateia. No fim, o Millôr esperou que os aplausos (de pé) terminassem para revelar que tinha acabado de ler o discurso de posse na Presidência da República do general Garrastazu Médici, que inaugurava o período mais repressivo e violento da ditadura militar.

O episódio exemplifica vários aspectos do gênio do Millôr. Em primeiro lugar, ele demonstrou na prática a disposição da plateia – qualquer plateia – a se deixar entusiasmar por palavras que não são mais que palavras, quando não são mentirosas. Em segundo lugar, ele desnudou a hipocrisia, beirando o cinismo, não só dos generais do regime como de muitos dos seus apologistas de fatiota, que nunca admitiram estar fazendo outra coisa senão defendendo a democracia. Millôr provou o perigo e a inconfiabilidade da retórica em qualquer situação e fez a plateia, ludibriada pelo seu próprio truque retórico, reconhecer-se ludibriada por todos os discursos altissonantes que deformam a realidade e disfarçam suas verdadeiras intenções.

Não é preciso dizer que a plateia o perdoou e o aplaudiu outra vez. De pé.

 Luis Fernando Verissimo é escritor

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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