Millôr foi a mais fulgurante inteligência do Brasil, o nosso maior humorista, o nosso maior frasista, o nosso Bernard Shaw, o nosso La Rochefoucauld, o nosso Groucho Marx, o nosso Saul Steinberg. Com pelo menos uma vantagem sobre os citados: Shaw, La Rochefoucauld e Groucho não sabiam desenhar, e Steinberg não era de escrever. Além de escrever, Millôr era um esplêndido artista plástico. Gênio de muitas faces e nomes (Vão Gôgo, Volksmillor, Milton à Milanesa), foi um dos maiores pensadores do país e seu mais divertido filósofo.
De uma criatividade assombrosa, volta e meia deparamos com uma novidade — expressões, brincadeiras, definições, sacadas jornalísticas — inventada por ele alguns ou muitos anos atrás. Dominava o vernáculo à perfeição, buscando, obstinadamente, a suposta imperfeição da língua falada, coloquial. Por ser a concisão o timing do humor escrito, jamais gastou 11 palavras onde cabiam dez — e às vezes conseguia o mesmo efeito com nove. Vez por outra, porém, desobedecia esse preceito e desembestava, sem jamais ficar enxundioso. Cometia em sua prosa toda sorte de firulas e audácias, e até o estilo anfigúrico de Guimarães Rosa parodiou numa memorável versão (ou riversão) da história do Chapeuzinho Vermelho.
Sergio Augusto é jornalista