6 Capítulo 17/Página 81
O mordomo irrompeu e anunciou:
— O corpo está sendo velado na capela. E os senhores e senhoras presentes podem se servir a partir de agora.
A voz de Norma ainda ecoava naquele salão, quando todos largaram os copos, se levantaram e, com velocidades variadas, se encaminharam para os fundos da casa.
— Coitada, sofreu tanto, um comentava.
— Para morrer, basta estar vivo, arriscou uma damamais filosófica.
— Quem diria? Tão moça e tão cheia de vida.
— Descansou, afinal.
— Pelo menos, não sofreu.
— Cantava tão bem.
— Quando chega a hora, minha filha.
— A vida é assim, quando chega na metade, já estamos no fim.
E lá fomos nós atrás do cadáver de Norma, na capela toda iluminada e florida. Tantos gerânios! Ela era louca por gerânios.
Trabalhávamos na Exclam Propaganda, Curitiba, Polaco e eu. Ele estava escrevendo o seu primeiro romance, entusiasmado. Nunca mostrou nenhum esboço, nada. Um dia, chegou de manhã e disse:
— Soldinha, fiz uma homenagem pra você no meu livro. E nada mais falou. Eu também não falei nada, apenas dei uma risada, escancarada, mais faceiro que mosca em tampa de xarope. Leminski foi quem me ensinou a abraçar as pessoas. Quando nos conhecemos, ele disse, depois de um abraço, meio acanhado que eu dei nele:
— Não é assim que se abraça os amigos, Soldinha. Venha cá. E me deu um abraço de quebrar as costelas, olhando nos meus olhos.
A homenagem, só vi depois, no livro impresso, da Brasiliense. Um haicai meu, sem nenhuma menção ao cartunista que vos digita. Amigo é pra essas coisas. Ou não?
a vida passa assim
na metade
já estamos no fim
(1978)
(livro “69” – com Antonio Thadeu Wojciechowski – 1980, Editora Beija-Flor)