Mural da História

siné-Hebdo

Quando Siné foi despedido do Charlie Hebdo pelo diretor do jornal, Philippe Val, sob acusação de anti-semitismo o humorista e caricaturista mais irreverente da imprensa francesa decidiu que não iria calar a boca. Sentindo-se injustiçado ao ser demitido de Charlie Hebdo, Siné abriu um processo contra Val e fundou um jornal tão irreverente e mal-educado quanto o dono. Como carimbo, Siné Hebdo exibe um garoto levado fazendo caretas dentro de um círculo duplo onde se lê Le journal mal élevé (o jornal mal-educado). O número 1 de Siné Hebdo saiu dia 10 de setembro com uma capa em que uma caricatura sua faz um gesto obsceno com a mão que mostra um dedo e diz: “Olha eu de novo!” E como prova de que as quatro edições já publicadas incomodam, os computadores da redação do jornal foram roubados no domingo (5/10). Obviamente, nos computadores estavam os textos da edição prevista para circular na quarta-feira (8/10). Catherine Sinet, diretora de redação do jornal, já tinha denunciado à polícia uma série de ameaças recebidas por telefone de uma organização extremista judaica.Com a saída do número 4, em 1º de outubro, o jornal contabiliza um mês de vida e mantém o nível de interesse dos leitores dispostos a apoiar o trabalho de um grupo de cartunistas e jornalistas revoltados com a acusação a Siné, ao qual se juntaram nomes como Michel Onfray e Michel Warschawski. O primeiro é um professor de filosofia, um iconoclasta de carteirinha, que escreveu, entre outros, um Tratado de Ateologia e cujos livros e DVDs são best-sellers em toda a França difundindo a filosofia entre o maior número possível de leitores. Para isso, ele fundou uma universidade livre, totalmente gratuita, na cidade de Caen, a poucas horas de Paris.

Título provocante

Warschawski é um intelectual israelense, autor de diversos livros sobre o conflito israelo-palestino e defensor incondicional da causa palestina. No seu primeiro artigo para Siné Hebdo, o filho do rabino Warschawski diz que em seu artigo semanal não falará jamais do que se convencionou chamar “processo de paz”. “Siné me pediu uma coluna na qual falarei das realidades políticas, sociais e culturais dessa região do planeta na qual vivo, milito e escrevo. Ora, o “processo de paz” é exatamente o contrário de uma realidade: é vento, virtual, alguns diriam que ele é pura propaganda política”, diz o escritor. Há três meses, ao ser acusado de anti-semitismo, Siné reagiu energicamente :”Quanto ao meu suposto anti-semitismo, nunca fui anti-semita, não sou anti-semita, nunca serei anti-semita.

Condeno radicalmente os que são anti-semitas, mas não tenho nenhum apreço pelos que, judeus ou não, jogam irresponsavelmente essa palavra abjeta na cara de seus adversários para desconsiderá-los, sabendo que esta acusação é o insulto supremo depois do Holocausto (Shoah). Isso está se tornando insuportável. No que me diz respeito, tenho tanta antipatia por todos os que, judeus ou não, defendem o regime israelense, quanto pelos que defendiam o apartheid na África do Sul. Há mais de 60 anos luto contra todas as formas de racismo e se tivesse tido idade de esconder judeus durante a ocupação o teria feito sem hesitar, como o fiz pelos argelinos durante a guerra da Argélia. Estou do lado de todos os oprimidos!”

O jornal de Siné tem o mesmo formato do outro do qual ele foi expulso. E se continuar a vender e despertar o interesse dos leitores como o primeiro número, vai longe. No editorial do número 2, o cartunista informa que o número 1 foi um sucesso de vendas (151 mil exemplares) e que o fato de terem conseguido fundar o jornal com tão pouco dinheiro era um milagre que deveria continuar a ser apoiado pelos leitores.No primeiro número, o cartunista congratulou-se com os leitores pela criação do jornal mal-educado, impertinente, libertário, em cores e barato (2 euros). Para continuar a viver sem nenhum anúncio publicitário como outro tradicional e respeitado jornal satírico, Le Canard Enchaîné, Siné Hebdo só conta com o apoio de seus leitores. Siné escreveu um pequeno texto pedindo doações para a associação “Les mal-élevés”:“Não tenhamos ilusão. Temos de contar com o silêncio da mídia. Muitas pessoas nos detestam e vão fazer tudo para nos sabotar.”O texto tem um título provocante: “Pare de beber (provisoriamente) e de fumar (se for possível) e envie o dinheiro economizado pra gente.” Pedido de doações mais irreverente, impossível.

bob_sinePor Leneide Duarte-Plon, de Paris em 7/10/2008 (Observatório da Imprensa).

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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