Cabeça de Pedra

sem-fardaTirou a farda pela última vez e deixou-a em cima da cama. Foi tomar um banho frio, colocou um calção e voltou para o quarto da casa onde morava sozinho. Olhou a roupa que o acompanhou durante boa parte da vida. Nunca mais iria usá-la. Cumpriu seu tempo da forma mais honesta e sensata possível. Não havia nenhuma marca no cabo de seu revólver que pendurou no lugar de sempre. Jamais atirou em alguém, apesar de terem atirado nele – sem acertar. Também seguiu a hierarquia, mas sem baixar a cabeça ou deixar de falar o que achava correto ou errado aos oficiais. Foi um soldado. Agora não era mais. A farda tinha o destino da doação a algum companheiro de polícia. Ele então a dobrou, colocou num saco plástico para mandar lavar no dia seguinte. Deitou, olhou o teto, agradeceu a proteção recebida durante tantos anos. Estava vivo e feliz com a missão cumprida. Também tinha a resposta certa se alguém perguntasse se não teve medo de morrer vivendo tanto tempo tão perto do perigo. “Nunca encarei a morte. Finjo que não conheço”. Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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