Até poucos dias, a crise econômica era um tema, entre outros, aproveitado pela crise política para alimentar-se. Com a proposta governamental de recriação da CPMF, as duas crises se fundiram. Foi o que ficou evidenciado na reação de empresários e entidades: há pouco manifestantes de apoio a Dilma e portanto à política econômica e, de repente, indignados com o governo, logo, com Dilma. A ponto de alguns querem a saída de Joaquim Levy, seu aliado ideológico.
A inoportunidade política da proposta governamental, reafirmando uma falta de percepção política sem limite, deu-se na ocasião mesma em que o PSDB aturdiu-se com as manifestações empresariais em defesa de Dilma e fez, por isso, um recuo patético na sua ferocidade oposicionista. Dilma e ministros deram aos adversários um socorro masoquista.
Certa foi a irritação de Michel Temer com o mau passo do governo, ao qual foi dado, e atribuído ao vice, o apropriado apelido de “imposto impeachment”. Renan Calheiros, em instantes, passou de novo general do governismo para a janela de crítico. A insensibilidade do governo Dilma só tem paralelo na insensibilidade do oposicionismo de Aécio, há oito meses forçado a manipular as intensidades de um extremismo primário.
A proposta de recriação da CPMF (com outro nome) traz, porém, um aditivo inteligente: a arrecadação é dividida entre governo federal e Estados. Pezão e outros aderiram sem esperar por qualquer conta. Isso faz ainda mais nítido o descompasso do governo entre lucidez política e oportunidade. Se há na proposta o lado que atrai apoios importantes, é incompreensível que não fosse esse o carro-chefe de lançamento do plano, como possível fator de neutralização da pressa para recriar um imposto.
Nesta barafunda que é o Brasil a caminho do buraco, muda tudo de um dia para o outro, todos os dias. Não por acaso é agosto, o mês dos ventos insensatos, volúveis entre todos os quadrantes. E setembro vai chegando com ares de que pretende ser um agosto com nome de guerra: as expectativas para setembro voltaram a acinzentar-se. Se depender da percepção e da habilidade do governo, ou da inteligência política da oposição, não há dúvida do que esperar.
Prêmio Duplo
Indagado sobre prisões para obter concordâncias com delação premiada, o procurador-geral Rodrigo Janot disse no Senado que 79% das delações foram obtidas com réus soltos. São portanto, em suas contas, quatro em cada cinco delatores premiados.
Só se a proporção se vale dos réus insignificantes, que pouco estiveram presos porque pouco ou nada tinham a dizer. Os réus graúdos, que justificam a Lava Jato, afinal cederam à delação ainda presos. E, desses graúdos, os que não cederam continuam presos e cercados da expectativa de que cedam. Fernando Soares, Pedro Corrêa e José Dirceu são alguns dos vários exemplos possíveis.
A propósito, o Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade que não tem importância, para recebimento do novo prêmio de liberdade por delatar, o fato de Alberto Yousseff haver feito há cerca de dez anos outra delação premiada e descumprido o compromisso de não voltar ao crime. Muito ao contrário, é o criminoso central, o craque do meio-campo, na bandalheira que utilizou a Petrobras.
A decisão de dez ministros do STF vale por uma recomendação aos empreiteiros agora premiados: de volta à ativa, não precisam contrariar nada, nem a alma dos seus negócios, nem a sua natureza.
Horrores
O motivo, se houve incidente de fronteira ou não, nem importa. Colombianos expulsos da Venezuela às correrias, com seus pertences miseráveis às costas, cruzando riachos a pé, filhos pendurados no corpo, enquanto seus casebres são incendiados, são parte de um quadro de perversidade intolerável do governo venezuelano.
Assim como é intolerável a indiferença com que os demais países sul-americanos, sobretudo o Brasil, testemunham essa reprodução cucaracha, criada pelo destrambelhado Nicolás Maduro, do horror de expulsos e fugitivos do Oriente Médio.
A indiferença, no caso, é conivência.
Janio de Freitas – Folha de São Paulo