A repentina intervenção verbal do comandante do Exército na “crise difícil, crítica”, tanto tem um sentido positivo como é negativa. Qual desses aspectos prevalece, ou prevalecerá, não há como pressentir. Certo é que não foram considerações ocasionais. E, portanto, interrompem a linha de distanciamento rigorosamente militar e constitucional que vinha desde o governo Lula –duração sem precedente desde a segunda metade do Império.
O general Eduardo Villas Bôas expôs a convicção de que “a crise não é de natureza institucional, as instituições estão funcionando perfeitamente”. Embora o que se passa na Câmara dê margem a certas ressalvas a tal perfeição, o que importa é o que se segue ao argumento: se “a crise é de natureza política, econômica, ética muito séria” e “prosseguir, poderá se transformar numa crise social muito séria, com efeitos negativos sobre a estabilidade. E aí, nesse contexto, nós nos preocupamos, porque passa a nos dizer respeito diretamente”.
Um recado. Uma advertência. Mas –a quem? Em princípio, uma preocupação sensata e necessária. O general Villas Bôas não é seu único portador. Nesta coluna já foi observado que, no caso do impeachment agora discutido, a obscuridade que se seguiria inclui a propensão para uma perda geral de controle, com potencial para consequências insondáveis, dramáticas senão trágicas. Pode ser uma intuição diferente das predominantes na imprensa, mas não é rara.
É uma das principais preocupações, por exemplo, que levaram a duas ponderadas entrevistas de altos dirigentes de banco, entre outros proponentes, para a disputa política, de métodos mais civilizados e respeitosos da Constituição. O risco de explosão da crise estava nas entrelinhas: a conveniência da sutileza, em lugar da explicitude talvez mal interpretada (os leitores lúcidos diminuem a cada dia), exigiu uma contenção verbal que o comandante do Exército não precisou ou não quis ter.
Mas o que significa “passa a nos dizer respeito diretamente”? Não parece uma frase de muitas hipóteses. Tão mais deslocada quanto, primeiro, é portadora de lembranças ou sugestões inoportunas. Depois, porque a frase, nas próprias considerações do general Villas Bôas, é inconciliável com suas afirmações de que “a sociedade tem que aprender com seus próprios erros” e “não precisa de atalhos para solucionar a crise”. Ou, no seu momento de reconhecimento ao vigor das instituições, a dedução de que “é por meio delas [as instituições] que a sociedade vai conduzir essa superação da crise”.
É naquela frase eremita, porém, que se identifica o possível eixo das considerações do general Villas Bôas e das circunstâncias em que as apresentou. Curiosas e indicativas. Ao que foi informado, não há precedente de reunião do comandante do Exército com pessoal da reserva. Nem haveria sentido em existir. São paisanos, que apenas serviram por determinado tempo. Guardam, no entanto, um resquício de vinculação militar aproveitável como pretexto para difundir considerações que, se feitas em reunião de militares de fato, teriam outra dimensão institucional. E seriam impróprias para divulgação.
Outra curiosidade, parece que também sem precedente: a palestra foi posta na internet. Com o que pode ser o recado. Ou advertência. Para quem? À falta de resposta, digamos que há carapuças jogadas para o alto.
Janio de Freitas – Folha de São Paulo