O tumulto paulista sugere que o problema das passagens de ônibus excede o âmbito decisório das prefeituras. O fato de ter havido só um breve bafafá no Rio e nem isso em outras capitais (ao menos à hora da sexta-feira em que escrevo), não significa que o problema seja paulista. Nenhum usuário de transporte urbano no Brasil pode estar satisfeito. Logo, a ocorrência de protestos contra as condições e os preços desses transportes é lógica. Como é lógico que a crescente parcela desordeira da população utilize manifestações para o quebra-quebra de bens públicos e privados.
As passagens não mais subirão, para que não haja quebra-quebra? As prefeituras arcarão com os aumentos? Com que dinheiro? E vão por aí as perguntas que nem precisam de respostas.
Mas, sobretudo, as passagens de ônibus demonstram que o seu poder de pretexto está pronto para se estender a outros possíveis protestos. A longa e numerosa ocupação das escolas em São Paulo, por exemplo, não foi só o caso bacaninha como é visto nos jornais. Ou só episódico, como visto pelo governo paulista.
Todos esses acontecimentos são linguagens, são reflexos, são indicações. Que as classes bem servidas, e as paulistas mais do que as outras, preferem não perceber. Tal como fizeram com a deterioração de suas cidades, ainda mais na mais rica de todas.
PROVOCAÇÕES
Com suas diferentes posições sobre o governo Dilma, os 40 embaixadores aposentados que assinaram um manifesto de apoio ao governo brasileiro, e de repúdio ao de Israel, eliminaram qualquer dúvida na questão: Israel violou a praxe da indicação de embaixadores, apoiada na Convenção de Viena, e o Brasil está correto ao ignorar o indicado. Mesmo com ameaças israelenses de retaliação.
Mas permanece em aberto uma indagação. Se as relações comerciais e outros contatos entre os dois países não se alteraram nos últimos tempos, o que motiva e o que pretende Israel com os insultos agressivos que passou a fazer ao Brasil, desde pelo menos meado de 2014? Em 24 de julho daquele ano, um porta-voz do ministro do Exterior e premiê Netanyahu definiu o Brasil como “anão diplomático”. Para comprovar que não foi apenas idiotice de um assessor, no dia seguinte o mesmo sujeito disse ser o Brasil “politicamente irrelevante”. As duas vezes, em entrevistas internacionais.
A meio do ano passado, Netanyahu divulgou na internet a sua escolha para embaixador no Brasil: Dani Dayan, por seis anos presidente do Yesha, entidade propagadora das ocupações e dos “assentamentos” em terras palestinas, muitas vezes condenados na ONU. E contrário ao recente Estado da Palestina, já reconhecido por mais de 70% da ONU. Dani Dayan é um praticante da teoria de “conquista de espaço vital” que Netanyahu e alguns antecessores foram buscar na década de 1930.
Netanyahu ainda tardou semanas a encaminhar ao Brasil o pedido de “agrément” (concordância, aprovação) para Dayan. Ao recusar a consulta preliminar e sigilosa, que é ato de praxe, e antecipar pela internet o escolhido impróprio, Netanyahu fez um insulto e uma provocação. O Brasil não respondeu e não vai responder.
Nas relações internacionais, há atitudes que são contra um governo e atitudes que são contra o país. Netanyahu adota a segunda, confirmada pelo aviso de futura “retaliação ao Brasil” feito por Dayan. Ao visar o país, fizeram a escolha certa. Reprovar a ação extremista e violenta de governos israelenses, contra decisões da ONU e contra direitos palestinos, para nem falar em vidas, é uma posição do Brasil, mantida com o passar dos governos no regime democrático.
Se em tal posição o extremismo israelense não reconhece valor, também não o tem a posição que apoiou a criação e hoje apoia a existência de Israel: as duas posições nasceram juntas, partes da mesma resolução da ONU e da mesma posição e mesmo voto do Brasil em 1948, repetido desde então.
O convívio cordial que é dado aqui à comunidade judaica não faria prever os insultos e provocações que Israel vem dirigindo ao Brasil. Essa comunidade tem os seus extremistas. Será melhor, para todos, que eles sejam contidos e não importem o espírito de Natanyahu.
desse tipo.
Janio de Freitas – Folha de São Paulo