Os jovens que disputam a Olimpíada de Matemática continuam ensinando ao Brasil a força de sua gente. No ano passado, soube-se da história das trigêmeas Loterio, de 15 anos, que viviam numa casa sem internet, a 21 quilômetros da escola, na zona rural de Santa Leopoldina (ES). Elas conseguiram os três primeiros lugares na classificação de seu Estado. Matriculadas no ensino médio, voltaram à Olimpíada e conseguiram uma medalha de prata (Fabiele) e duas de bronze (Fábia e Fabíola). Esse era um caso de dedicação ajudado pelo estímulo de uma professora, Andréia Biasutti. Conseguiram isso num município assolado por roubalheiras de políticos e empresários.
Pouco depois, soube-se do caso de Lucy Maria Degli Espositi Pereira, de 27 anos. Ex-freira, ela voltara ao colégio, em Bom Jesus do Itabapoana (RJ), e conseguiu uma medalha de ouro na Olimpíada de 2014. Em agosto, Lucy completou dois meses sem aulas porque uma greve de motoristas suspendera o transporte escolar. Para quem frequentava o curso noturno, pois durante o dia ajudava o pai em serviços de pedreiro, era um tiro na testa. Engano. Ela participou da prova de 2015 e repetiu o ouro. Se pararem de atrapalhar a vida de Lucy, ela continuará trabalhando na construção civil, como engenheira.
Pela sabedoria convencional, Lucy e as trigêmeas Loterio caíram numa das armadilhas da sociedade. Uma ficou sem aulas e as outras viviam numa área isolada. Elas sacudiram a poeira e deram a volta por cima. Se não existisse a Olimpíada de Matemática, seriam boas alunas anônimas em cidades do interior. Graças a essa simples iniciativa, a cada ano o Brasil é surpreendido pela força do seu povo.
Quem quiser ver o discurso de Barack Obama na sessão de reabertura do Congresso americano poderá perceber que a fala do governante da nação mais poderosa do mundo pouco tem a ver com o blá-blá-blá de seus similares nacionais. O companheiro mostrou a força de sua gente. Num costume inaugurado por Ronald Reagan em 1982, todo ano o presidente americano convida um pequeno grupo de cidadãos para ouvi-lo, sentando-os na galeria e mencionando-os no discurso. Neste ano, Obama levou um casal que atravessou a recessão, formou-se num colégio comunitário e aprumou sua vida. Em 1997, Bill Clinton convidou dois estudantes que venceram competições internacionais de ciência e matemática. Eles estudavam no mesmo colégio, e o convite de Clinton foi estendido à professora.
Uma rara boa notícia, para hoje e amanhã
Numa época em que só se colhem notícias ruins, aconteceu uma coisa boa no mercado do café. As exportações vão bem e o consumo interno cresceu 0,9%. Não é nada, mas é alguma coisa.
A melhor notícia relaciona-se com o futuro. O consumo de café no mundo passa pela revolução tecnológica das cápsulas. Em menos de um minuto, produzem um cafezinho, não sujam e dão ao freguês uma inédita variedade de escolhas. O consumo de café em cápsulas tem 25% do mercado francês, mas no Brasil ainda é desprezível (0,6%).
Essa revolução começou há décadas, e o Brasil estava numa situação vexaminosa, importando algum café torrado da Suíça e da França, onde não há um só pé da fruta. Medidas espertas do governo, liberando a importação de máquinas para os lares, e investimentos da iniciativa privada, a construção de duas fábricas de cápsulas, colocam o Brasil numa boa posição, saindo de um atraso que vem do século 19.
Em vez de exportar sobretudo café verde, poderá exportar cápsulas. O grão puro e simples vale R$ 10 por quilo, o café das cápsulas rende R$ 300 pelo mesmo quilo.
Os bons cafezais brasileiros produzem tipos de grãos capazes de competir com quaisquer sabores de outros países. Se ninguém atrapalhar, dá certo.
Boa ideia
O governador Geraldo Alckmin brilha quando honra a plateia com suas platitudes. Na semana passada, ele saiu da banalidade e reclamou da mobilização da rua.
Disse o seguinte:
“O que se verifica é vandalismo, e ainda um vandalismo meio seletivo, porque a correção da tarifa em São Paulo é menor do que a inflação. E é estranho, a energia elétrica aumentou 70% e não teve nenhum vandalismo.”
Noves fora que nem todo manifestante é vândalo, fica a impressão que o doutor quer mais manifestações, sobretudo contra as tarifas de energia. Boa ideia.
Cerveró 1954
O depoimento de Nestor Cerveró na Lava Jato cai como uma luva na piada do sujeito que matou a mulher na manhã de 24 de agosto de 1954 e seu advogado disse à polícia que havia relação entre aquele crime e o suicídio de Getúlio Vargas, que acabava de ser anunciado.
Faz tempo que a defesa da turma das petrorroubalheiras trabalha com a ideia de tumultuar o inquérito para reduzir as condenações do juiz Moro nas instâncias de Brasília.
Depoimentos conflitantes de pessoas que colaboram com a Justiça para reduzir suas penas são trufas para o risoto dos comissários e dos empreiteiros.
Mein Kampf
É pura perda de tempo a discussão em torno da legalidade da publicação do Mein Kampf, de Adolf Hitler. A íntegra do “Minha Luta” está na internet, em todos os idiomas, de graça.
Numa época em que o Estado Islâmico tem uma produtora de vídeos mostrando suas barbaridades, o livro de Hitler é apenas um documento ilustrativo do antissemitismo nos anos 20 do século passado.
Madame Natasha
Madame Natasha concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, pela seguinte charada, incluída na carta que enviou ao ministro da Fazenda sobre o estouro da meta da inflação:
“O Banco Central entende que o processo de ajuste macroeconômico em curso, intensificado por eventos não econômicos, contribuirá para uma dinâmica menos pressionada da inflação, ao auxiliar na quebra da resiliência de preços. Em termos do conjunto de indicadores de ociosidade da economia, nota que medidas convencionais de hiato do produto encontram-se em território desinflacionário, em linha com a evolução recente da atividade –menores que as estimativas de crescimento potencial da economia.”
O doutor não tinha o que dizer e nada disse. Natasha sabe que o estilo críptico dos bancos centrais foi levado às últimas consequências por Alan Greenspan, presidente do Fed americano de 1987 a 2006. Greenspan é incapaz de se expressar com clareza até em conversas pessoais, como na hora de propor casamento à namorada.
O hermetismo do Banco Central brasileiro é um truque destinado a blindar hierarcas e confundir a plateia. O Fed emite notas crípticas, mas a cada cinco anos divulga a transcrição das fitas onde estão gravadas as discussões do seu comitê de politica monetária, documentando a responsabilidade de cada participante da reunião. Em Pindorama isso não acontece, porque responsabilidade é coisa estranha a Brasília.
Elio Gaspari – Folha de São Paulo