Quando o povo fica bonito

Entre as verdades expostas pelo nosso sempre certeiro Celso Nascimento na Gazeta de terça-feira, uma salta aos olhos e preocupa (muito) aqueles que querem bem este país e este Estado: “O que temos, é triste dizer, é um país sem lideranças novas e sérias”. Indesmentível.

Tira-se Dilma do governo, bota-se Luiz Inácio na cadeia – ambos são hoje dois cadáveres insepultos – e coloca-se quem nos lugares? Enquadra-se o pequeno Richa, seu primo distante e seu copiloto, mas quem pode ser entronizado no Palácio Iguaçu?

O Brasil e o Paraná – como de resto os demais Estados e municípios brasileiros – são um país e um Estado sem novas, consistentes e confiáveis lideranças. Com a morte e/ou a aposentadoria de Ulysses, Tancredo, Juscelino, Lacerda, Jango, Jânio, Adhemar, Brizola, Arraes, Aureliano, Covas, Montoro, Itamar, Antônio Ermírio, Richa pai, Ney, FHC, Heloísa, Simon, Alencar Furtado…, quem restou? Temer, Aécio, Alckmin, Serra, Ciro, Caiado, Collor, Bolsonaro, Renan, Barbalho, Cunha, Eike Batista, Sarney, Lobão, Dulcídio, Gleisi, Requião, Álvaro, Richa filho, Requião júnior, Grecca, Ratinho…?! Benza, Deus! Marina é e será sempre uma interrogação.

O recado das ruas no domingo – a maior manifestação jamais acontecida na história deste país, como gosta de dizer o da Silva, estimada em mais de seis milhões de pessoas, sem auxílios governamentais, sem partidos políticos, sem bandeiras da CUT, sem transporte gratuito e, sobretudo, sem nenhuma vidraça quebrada – foi muito claro: chega de Dilma, chega de Lula, chega de PT, de PMDB, de PSDB, de PDT e dos demais PPs, PPSs, PSDs de DEMs da vida. Tropas fardadas, então, nem pensar! Restou o clero e parte do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. Agindo devagar, com critério, seriedade e vigilância, sempre dá para recomeçar. O difícil é livrar a Nação e o Estado da craca acumulada na vida pública em anos de safadeza e desatino, mas é preciso começar. E já começou.

O povo, desgraçadamente, acostumou-se, no correr dos anos, a seguir os falsos profetas, a gostar de mentiras, a conformar-se com ilusões. Sabe o leitor por quê? Porque as mentiras, a falsidade e a ilusão são doces. Já a verdade é quase sempre amarga. Por isso, o povo tem sido facilmente enganado, movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Aliás, o que os políticos e os administradores públicos menos querem é um povo que pensa.

Um povo que pensa não vota mais em Lula, em Dilma, em FHC ou em Beto Richa. Não vota também em Aécio, em Alckmin, em Ciro, em Caiado e muito menos em Bolsonaro e assemelhados.

O meu saudoso Rubem Alves contava que, em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. “Mas Deus foi exilado e o ‘povo’ tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo” – pontuava. Mas advertia que, para que a democracia se formalize, é preciso que o povo pense. Almejava e concluía: “Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia”.

Rubem detestava brados retumbantes como “o povo unido jamais será vencido”. Sentia arrepios ao ouvi-los, porque isso lhe remetia à época tenebrosa do “Ame-o ou deixe-o!” da ditadura militar. Por experiência da vida, sabia que a vontade do povo nem sempre é a mais confiável. E citava o exemplo de Hitler, alçado ao poder pela vontade da população alemã, como poderia ter citado o de Chavéz ou o dos irmãos Castro e de tantos outros ditadores da esquerda ou da direita.

Mas Rubem sabia também que há horas em que o povo fica bonito. Na falta de líderes confiáveis, assume o seu lugar. Deixa de ser gado marcado, deixa de ser ignorante iludido, deixa de ser conduzido, partilha sonhos e caminha junto para exigir os seus direitos de cidadão e marchar entoando o velho Geraldo Vandré, lembrado ontem aqui pelo nosso Zé Beto:

“Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Somos todos iguais / Braços dados ou não / Nas escolas, nas ruas / Campos, construções / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer / Pelos campos há fome / Em grandes plantações / Pelas ruas marchando / Indecisos cordões / Ainda fazem da flor / Seu mais forte refrão / E acreditam nas flores / Vencendo o canhão… / Os amores na mente / As flores no chão / A certeza na frente / A história na mão / Caminhando e cantando / E seguindo a canção / Aprendendo e ensinando / Uma nova lição / Vem, vamos embora / Que esperar não é saber / Quem sabe faz a hora / Não espera acontecer…

O domingo 13 de março de 2016 será inesquecível na história do Brasil.

PS – Lula ministro. Sem comentário. Vai pra casa, Dilma!

céliodois

Blog do Zé Beto

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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