RIO DE JANEIRO – Na iminência de despedir-se do poder que exerceu com triunfal empáfia, a presidente Dilma Rousseff olha em volta e se vê sozinha, abandonada e cercada de traidores. Com razão. Poucos seriam tão eficientes quanto ela na arte de chamar para seu governo aqueles que, na sua visão, acabariam por traí-la.
A começar pela escolha de Michel Temer como seu vice. Para Dilma, Temer seria, no máximo, um manequim de vitrine — aliás, ele tinha o “physique du rôle”. Nas poucas vezes em que se deixou fotografar ao seu lado nas campanhas, era evidente que ela o via como um 2 de paus. E, nas comemorações da vitória, em 2010 e 2014, Temer mal era notado no palanque em meio aos petistas de segundo e terceiro times — como se a máquina do seu partido, o PMDB, não tivesse sido responsável por boa parte da votação da titular.
Várias vezes, durante os dois mandatos, Temer pareceu implorar pela atenção da presidente para sua existência. Debalde. Exceto pelas viagens de Dilma, em que ele era constitucionalmente chamado a se sentar na cadeira, Temer só faltou ter de juntar-se a visitas guiadas para, como turista, conhecer por dentro o Palácio do Planalto.
Outro erro de Dilma foi compor seus ministérios usando como critério não a competência técnica, mas a subserviência dos ministros a ela. Ao fazer isto, estava pedindo para ser traída — como confiar em quem se presta a tal papel? E, agora, diante do desembarque maciço dos partidos em que pensava se apoiar, descobre que, com sua caneta sem tinta, seus ministérios não valem nada.
Dilma deveria se poupar desse discurso de traição. Afinal, ao trair seus 54 milhões de eleitores no dia seguinte à reeleição, ela deu sem querer o tom do que seria o seu governo: um negócio de risco, em que valia a pena entrar, desde que se soubesse a hora de sair.
Ruy Castro – Folha de São Paulo