Sessão da meia-noite no Bacacheri

Eye-in-the-SkyO encontro de três perigosos terroristas em Nairobi, no Quênia, faz com que uma elaborada operação seja coordenada diretamente da Inglaterra. É lá que a coronel Katherine Powell (Helen Mirren) e o general Frank Benson (Alan Rickman) acompanham os movimentos dos alvos, através de um avião-drone estrategicamente posicionado para que não seja detectado por radares inimigos. Inicialmente a operação seria para capturá-los, mas a descoberta de dois homens-bomba faz com que o objetivo mude para eliminá-los a qualquer custo. Inicia então um debate interno, envolvendo o lado militar e também o político, sobre como agir causando o mínimo possível de danos colaterais.

Eye in the sky|Decisão de Risco|Reino Unido|1h 42min|Direção de Gavin Hood|2010|Paris Fimes

O cinema já trouxe inúmeros filmes que mostram as dificuldades decorrentes da guerra, seja para sobreviver durante o conflito ou abordando suas consequências físicas e psicológicas. Só que, também nas batalhas, os tempos mudaram. A evolução tecnológica permitiu o uso cada vez mais frequente de drones, controlados a muitos quilômetros de distância, de forma que seu piloto não corra riscos e a possibilidade de falha humana seja minimizada. Tal realocação, de atitudes e tensões, já havia sido abordada no mediano Good Kill, dirigido por Andrew Niccol e lançado em 2014. Agora chegou a vez de Gavin Hood (Infância Roubada) entregar a sua visão sobre esta realidade cada vez mais comum no tenso Decisão de Risco.

A história acompanha os esforços de uma equipe britânica, auxiliada pelos Estados Unidos, em capturar três extremistas que estão na cidade queniana de Nairobi. É através dos tais drones que se pode acompanhar tudo o que acontece, através de imensas telas. A facilidade de comunicação possibilita que os envolvidos não estejam no mesmo ambiente: a coronel Katherine Powell (Helen Mirren) está em uma espécie de bunker militar, o piloto Steve Watts (Aaron Paul, correto) em um conteiner em Las Vegas e o núcleo político, acompanhado pelo general Frank Benson (o saudoso Alan Rickman), em um bem equipado escritório em Londres. Os problemas começam quando o que a princípio seria uma operação de captura se torna de extermínio. Tudo porque as câmeras denunciam que há no local vigiado dois homens-bomba, se preparando para um iminente ataque terrorista.

É fácil notar as várias mensagens embutidas de forma a ressaltar os tempos modernos. Por mais que a questão da comunicação seja explícita, a principal mensagem é sobre a frivolidade com a qual os personagens principais conduzem suas vidas, antes e depois daquele que pode ser chamado de um dia de trabalho qualquer. Por mais que ali sejam tomadas decisões difíceis, que envolvem vidas humanas, a facilidade do entrar e sair entrega uma certa banalidade que pode ser associada também à própria guerra. Tal contraste é habilmente conduzido pelo diretor, especialmente pelo modo como cada personagem reage ao pós-operação.

Outro aspecto interessante se refere à personagem de Helen Mirren. Uma mulher em posição de comando dentro do exército, algo poucas vezes visto não apenas no cinema, mas também na vida real. Por mais que tal posto seja muito graças ao prestígio e a qualidade de Mirren, em boa atuação, a presença feminina em posição de chefia é algo que positivamente chama a atenção. Também por não ser ela o único caso presente na cúpula decisória, como se pode perceber no escritório de Londres.

Conceitualizações à parte, fato é que a maior parte de Decisão de Risco se passa dentro da tal sala de controle – ou das várias salas de controle, espalhadas pelo planeta. É lá que o filme ganha força através do debate, revelando e ressaltando as várias vertentes envolvidas na arte da guerra. É neste duelo sem tiros, onde cada lado defende seu ponto de vista com as armas que têm, que se forma um amplo mosaico sobre questões políticas, morais, humanitárias e de propaganda no mundo atual, sem esquecer uma certa cutucada no american way of war. Isto pontuado por uma trilha sonora crescente, que amplifica a tensão do(s) ambiente(s).

De certa forma, Decisão de Risco lembra Código de Ataque, excelente telefilme estrelado por George Clooney que, na verdade, é a refilmagem de Limite de Segurança, longa dos anos 1960 dirigido por Sidney Lumet. Lá os ocupantes de uma sala de controle precisam decidir como agir em uma situação tensa e de perigo extremo envolvendo a Guerra Fria. Por mas que haja vários avanços tecnológicos e uma óbvia atualização geopolítica, a essência aqui não é muito diferente. Mesmo quando Gavin Hood precisa lidar com a casca de banana que é a inserção de uma garotinha linda e meiga em plena área de ataque, isto serve como estopim para uma nova rodada verborrágica que levanta questões oportunas e interessantes. Ponto para o diretor e o roteirista Guy Hibbert.

Só que, infelizmente, a dupla não resiste até o fim em relação à tal casca de banana. E é no final tendencioso e apelativo que Decisão de Risco perde força. Ainda assim, trata-se de um filme bastante interessante pela qualidade dos diálogos e os vários subtextos trazidos à tona, tão atuais e relevantes neste complexo mundo pós-11 de setembro. Bom filme, que instiga a inteligência e a perspicácia do espectador.

Sala de Controle

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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