As transmissões esportivas durante os Jogos Olímpicos, com suas dezenas de esportes e de competições diferentes, mobiliza centenas de locutores e nos deleita com a espantosa variedade de tons de voz que acompanham essas transmissões, de acordo com a apoteose ou via-crucis que esteja sendo descrita.
Existe, por exemplo, o tom “eufórico-estabanado”, aquele que o pessoal usa logo no início das competições, quando a adrenalina está solta, a cabeça está a mil, e os locutores sentem, como eles próprios dizem, “a História acontecendo diante dos nossos olhos”. Nessa hora vale tudo, vale o clichê, vale o grito de guerra, vale o grito de Tarzan. Quando o nosso time começa a massacrar o adversário, esse tom é substituído pelo “triunfalista-tripudiante”, em que o bravo falastrão começa a bordar firulas elogiando a ginga, a improvisação, o jeitinho brasileiro, aquele algo mais que nós temos e que é invejado pelos nórdicos, germânicos, orientais… Aí também vale tudo, inclusive zombar de quem está perdendo e puxar de um baú cheio de poeira resultados de 1900-e-cocada que estão sendo vingados agora.
As coisas não vão bem? O diapasão muda para o “roendo-raivoso-as-unhas”, quando o cara se irrita com os atletas, chama-os de estrelas mimadas ou de mercenários sem bandeira. Ele havia trazido meia dúzia de bordões gozadores no bolso, e se desespera quando vê que não vai poder usá-los, porque a vaca está partindo rumo ao brejo. Os comentaristas também intervêm, e mesmo concedendo que muitos deles são sensatos e conhecem o assunto, nunca deixa de haver o tom de “titubeio-dos-mal-informados”, ainda mais quando se trata de esportes alienígenas como badminton ou luta greco-romana. Ouve-se claramente o roçagar das folhas de papel enquanto eles consultam os press-releases e os regulamentos.
No final de cada competição, fazendo a amarração final antes dos comerciais, ouvimos, dependendo do resultado, ou o “laudatório-ufanista-com-a-mão-no-peito”, quando o bravo apresentador nunca deixa de nos brindar com uma recordação pessoal de 15 ou 20 anos atrás, só faltando dizer que aquela vitória foi dedicada a ele em pessoa; ou então o “rancor-ressentido-contra-o-ídolo-que-não-correspondeu”, que usa uma retórica consoladora para destilar toda a decepção de quem mandou gelar o champanhe e não vai poder espoucá-lo. E tudo em geral se encerra com o tom “melancólico-conciliador-frente-à-crueza dos fatos”, quando a poeira mental começa a assentar e o sujeito sente-se no dever cívico de falar nas lições aprendidas, na necessidade de que as autoridades deem mais apoio ao esporte, e na esperança de que, “daqui a mais quatro anos…”.
Braulio Tavares vive no Rio. É escritor, tradutor e cientista. Publicou por 13 anos no Jornal da Paraíba (entre 23 de março de 2003 até 10 de abril de 2016), quando fechou a edição impressa. Para ler outros artigos sobre palíndromos, acesse seu blog Mundo Fantasmo.