Depoimento:
“O tabu sobre o suicídio é de tal forma arraigado que nem nossa imprensa livre se atreve a comentar. Julgar é o que mais fazemos, em todas as circunstâncias que a vida apresenta. De alguma forma sempre temos que ter uma opinião, nem sempre formada por informação.
Sofro de transtorno de ansiedade generalizada e já tive alguns graves surtos de pânico. Atentei contra minha vida duas vezes. Sobreviver a mim mesma foi mais difícil que me entregar ao desejo de por fim ao sofrimento.
Tenho duas filhas, já adultas. Na época, duas adolescentes. Como explicar que não se tratava de escolha entre estar com elas ou morrer? O inferno no meu espírito, o tumulto de milhões de pensamentos catastróficos, invasivos em minha mente, num ir e vir sem fim. Só eu sei como é. O inferno de cada um não é compartilhado ou compreendido, mas pode não ser julgado.
A cicatriz nos meus pulsos hoje são marcas da guerra. A cicatriz na alma foi melhorando com o tempo e o amadurecimento dos filhos. Mas quem bate no peito para dizer que sobreviveu a si mesmo? O que era para ser um ato de superação se torna vergonha, pelo peso que o suicídio ganha como pecado contra a vida.
Sigo tentando não julgar qualquer comportamento. Difícil. Mas sei eu daquele que, nas drogas ou no álcool achou a paz que a realidade não lhe permite viver? Hoje, ando nas ruas e me vejo em muitas pessoas. Vejo minha dor empatizando com a dor de tantos com quem cruzo pelo caminho.
A compreensão que veio com a minha experiência talvez também seja só minha, assim como os meus paraíso e inferno particulares.
Gostaria que as pessoas que passam por estas situações pudessem se ver, se enxergar num grupo. A solidão dessa dor é única”.
Do blog Morte sem Tabu – Folha de S.Paulo