Ruy Castro – Folha de São Paulo
Em matéria de piriris —a autêntica fast food brasileira—, cada região tem suas especialidades. Os baianos se orgulham de seus acarajés, os mineiros, de seus torresmos, e por aí vai. Os cariocas, sempre firmes na defesa dos botequins sórdidos, também têm a sua baixa gastronomia: o pastel de vento, o ovo colorido e a sacanagem (um espetinho de salsicha, azeitona e queijo, pornograficamente grudados uns nos outros). Mas, no Rio, tudo cala diante da empada que matou o guarda.
Nenhum outro petisco consta de tantas crônicas e teve gente tão ilustre —Nelson Rodrigues e Carlos Heitor Cony, entre outros– a narrar sua façanha. Façanha esta que, segundo os anais, só aconteceu uma vez, mas fez com que, desde então, no Rio, até a empada mais pura de qualquer pé-sujo seja chamada de empada-que-matou-o-guarda. E isto porque, num dia dos anos 60 —reza a tradição oral—, um guarda municipal, a serviço no Catete, entrou num botequim e pediu uma empada que viu no balcão.
Bastou-lhe uma mordida. Em instantes, enxergou tudo preto, girou sobre si mesmo e caiu duro, ali, na calçada. A história não registrou o nome do guarda, nem do português que lhe serviu a empada e nem mesmo o conteúdo desta –palmito ou camarão? Só se sabe (e sei disso por Cony) que o botequim ficava perto do velho cinema Politheama, no Largo do Machado.
Com as desastradas denúncias da Policia Federal sobre a honestidade dos nossos frigoríficos, o Brasil está se sentindo aos olhos do mundo como o fabricante da empada que matou o guarda. Talvez o empadário do infeliz portuga fosse impecável e aquela, a única empada letal. Não importa. Ela estava à venda e alguém morreu ao comê-la.
Que se saiba, nossas empadas ainda não mataram ninguém lá fora. Mas, por muito tempo, o mundo vai querer distância delas.