No papel, o governo Michel Temer (PMDB) promoveu uma reforma administrativa com expressivo corte do número de cargos de livre nomeação, moeda corrente de barganhas com o Congresso. Na prática cotidiana, constata-se agora com clareza, pouco mudou.
De absurdos 22,9 mil ao final de 2014, os postos do tipo DAS (Direção e Assessoramento Superior) ocupados no Executivo caíram a ainda excessivos 11,4 mil hoje. Parte das vagas foi extinta; a maioria mudou de nome e foi reservada a servidores de carreira.
Nada capaz de extinguir o mais desavergonhado fisiologismo político, explícito na frenética redistribuição de empregos a apadrinhados nos últimos dias.
Como noticiou esta Folha, mais de uma centena de dirigentes da máquina federal estão sendo exonerados, o que nada tem a ver com critérios de lisura ou competência —mas por se tratarem de indicações de deputados que votaram pelo prosseguimento da denúncia apresentada contra Temer pela Procuradoria-Geral da República.
Os casos que vieram à tona envolvem superintendências regionais de órgãos supostamente técnicos, como o Incra (de colonização e reforma agrária), a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a Agência Nacional de Mineração.
Tal comércio de sinecuras, pela leitura de Brasília, prepara o terreno para que se derrube mais uma investigação sobre a conduta do presidente, a partir de peça acusatória a ser formalizada pelo procurador-geral, Rodrigo Janot.
O cálculo mais consensual indica que, salvo fato novo e avassalador (como se os já conhecidos não fossem graves o bastante), prevalecerão as lealdades negociadas à base de cargos e verbas.
O processo, de todo modo, consumirá tempo e energia parlamentar, às expensas de projetos cruciais para o futuro do país, do voto distrital misto ao redesenho das regras da Previdência Social —a cada dia mais ameaçados de abandono.
Os primeiros sinais de alívio econômico e alta do consumo tendem a minar a disposição para reformas controversas. A dívida pública prossegue em elevação insustentável, mas conta-se com uma trégua do mercado credor para que as medidas mais efetivas fiquem para o próximo governo.
Afinal, se Temer precisa cuidar da própria sobrevivência, todos têm de se posicionar para as eleições gerais de 2018.
À espera dos atos derradeiros de Janot, que encerrará seu mandato em questão de dias, e incapaz de compreender a dimensão dos riscos corridos pelo país, a classe política volta-se às práticas mesquinhas e oportunistas só interrompidas em raras emergências.