Catedrais de massa

Ruy Castro – Folha de São Paulo

DO RIO DE JANEIRO – Qualquer mortal em visita a Florença, na Itália, acha difícil deixá-la, mesmo que por algumas horas, para prestigiar seja o que for nas proximidades. Em que outro lugar se tropeça a cada passo na história da arte? Mesmo na Europa —onde, segundo Nelson Rodrigues, “uma xícara de asa quebrada, um pires, tem 2.000 anos”—, que cidade pode se gabar de tantos museus, galerias, praças, capelas e igrejas abarrotados de Da Vinci, Michelangelo, Botticelli, Caravaggio, Tiziano, Rubens, Raphael, Tintoretto?

E que outra foi o berço, escritório ou túmulo de gigantes como Dante, Boccaccio, Maquiavel, Galileu e até de Américo Vespúcio, aquele que, quatro anos depois de descobrir a América, passou aqui pela nossa orla, em 1502, e nos batizou de… Rio de Janeiro? Como competir com tantas ruas e calçadas que geraram ou abrigaram as maiores realizações do espírito humano? Enfim, como sair de Florença depois que se chega lá? E para quê?

Bem, a 50 km ou uma hora de ônibus de Florença fica San Gimignano. Assim como Florença, ela também tem suas catedrais, mas estas são de massa: as da sorveteria Dondoli, na Piazza della Cisterna. Os clientes falam de seus sorvetes de açafrão, gorgonzola, lavanda, azeitona preta —além dos clássicos baunilha, café, chocolate, pistache— com a mesma devoção com que os visitantes de Florença falam do “David”, da “Anunciação” e do “Nascimento de Vênus”.

O autor daquelas tentações, o sorveteiro Sergio Dondoli, tem em San Gimignano um prestígio comparável ao de Brunelleschi, o arquiteto do Duomo e do Battistero, em Florença. A prova disso são as filas à sua porta, comparáveis às daqueles monumentos.

Tudo isso é apenas para dizer que, pelos próximos 30 dias, estarei ausente da coluna, checando, inclusive, se a fama da dita sorveteria tem razão de ser.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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