© João Bittar
Aconteceu o esperado. Mais que isso: o inevitável. Lula da Silva levou de 3 x 0 no TRF de Porto Alegre. Com um agravante: os nove anos e meio aplicados por Sérgio Moro foram ampliados para doze anos e um mês de reclusão pelos julgadores de segunda instância. Unanimemente.
E vamos fazer o quê? Sair por aí gritando, batendo palmas e panelas, soltando foguetes? Nada disso. Pode não parecer, mas, mesmo para os não-lulistas, para aqueles que têm raiva dele e torciam pela sua condenação, o momento é de tristeza. E de vergonha. Afinal, há um ex-presidente da República a caminho da prisão pela prática criminosa de corrupção e de lavagem de dinheiro. Por ordem ditada e confirmada pelo Judiciário. Como ficamos todos aos olhos do mundo? Se, de um lado, o fato demonstra que as nossas instituições estão funcionando, de outro, revela o tipo de gente a quem costumamos entregar o poder. Afinal, o apenado é líder das pesquisas para um terceiro mandato presidencial…
Luiz Inácio não foi o primeiro presidente da República do Brasil a cometer ato (ou atos) de corrupção. Nem será o único. Ele apenas descuidou-se e sonhou alto demais. Confiou na centenária impunidade brasileira e achou que era mais esperto do que a esperteza. Deu-se mal.
Nessa hora, lembro-me do meu amigo Mário Montanha Filho. Petista de carteirinha, militante ativo, sincero e bem intencionado, assim que surgiram os primeiros desvios de conduta de Lula presidente, Mário desabafou:
“Ao conduzirmos o ex-sapo barbudo à presidência, sabíamos que não estava em curso uma revolução. Cumpriríamos uma etapa, apenas. Mas, de repente, começamos a ver a destruição de nossos sonhos. A marcha neoliberal segue impávida. E o neo-sapo foi elevado à condição de estadista bem-comportado. Talvez seja melhor assim. Se a moral dos ‘vencedores’ não tem mais nada a ver conosco, então podemos nos sentir livres”.
Em seguida:
“A cada dia, a minha opinião sobre Lula fica mais apagada. Às vezes me parece que ele deixou de existir. De uma certa forma, acho que é isso mesmo. A imagem de um líder barbudo que nos emocionava com discursos carregados de simplicidade e conteúdo revolucionário está distante. O que sobrou foi um senhor enquadrado no mundo das instituições, das regras e dos bons costumes, acondicionado em ternos de um cinza comum. Um fazedor de frases vazias, tolas, arrogantes. Nada mais. Não tenho por ele a mesma repulsa que ainda hoje me provocam os presidentes anteriores, generais sombrios, burgueses exibicionistas ou intelectuais colonizados. Também não me situo entre os seus inimigos figadais. Sei apenas que deixamos de ser companheiros. Paciência, a vida e a luta continuam.
E ainda:
“Isolado na minha simplicidade, vejo o mundo de cabeça para baixo. Estranhamente, continuo a fazer as mesmas coisas que fazia antes de 1º de janeiro de 2003, quando o Brasil se encontrou em Brasília para saudar o operário que virou presidente da República. Não enxergo motivos para rejeitar as minhas ideias, por mais velhas e confusas que sejam. Tampouco me disponho a jogar no lixo o que eu disse ou gravei nos arquivos da memória.”
Não foi você que mudou, meu estimado “Da Montanha”. Nem eu. Continuamos, talvez ingenuamente, com os nossos velhos sonhos. Quem mudou foi Lula. Ou ele apenas revelou a sua verdadeira face.
Outro petista histórico, César Benjamin, conta que o então companheiro-presidente, quando assumiu o governo, encontrou montada uma forma espúria de organização do poder político e, em vez de lutar contra, como era a sua obrigação moral, adaptou-se a ela. Fez mais, digo eu: serviu-se dela, ampliou-a, adequou-a aos seus interesses pessoais, aos interesses de familiares e do seu grupo político, com o objetivo de perpetua
ção no poder.
Deu no que deu.