Tati Bernardi – Folha de São Paulo
Passei a vida amando Woody Allen sobre todas as coisas, vi todos os filmes milhares de vezes, decorei os diálogos (sempre repito aquele “meu único exercício são as crises de ansiedade”) e sonhei trocar todos os homens da minha família por um único parente com 0,2% de sua genialidade. Imagina ter o Woody Allen no Natal? Tudo bem que ele é judeu e não viria. E não viria mesmo que não fosse judeu (adoro aquela história que ele passou anos reformando e decorando uma casa na praia e, na hora que ficou prontinha, simplesmente preferiu não sair de Nova York). Busquei uma fagulha Woody Allen em todos os meus amigos, namorados, colegas de trabalho. Encontrar um quê dele nas pessoas era o que as fazia suportáveis. Quando alguém falava algo como “ah, não vejo nada demais em seus filmes” eu automaticamente fechava uma cortina de vedação completa entre meus interesses sociais e aquela vida inútil à minha frente. O mundo, pra mim, sempre foi dividido entre os que tinham entendido tudo e os que não se importavam com seu novo trabalho. Agora, acaba de se dividir entre “antes de ler o artigo da sua filha adotiva que o acusou de abuso e depois”.
Nos últimos anos, Louis C.K. se tornou uma bandeira que eu hasteava pra tentar ganhar as discussões chatíssimas dos limites do humor. Confesso, tinha o maior tesão nele. Gordinho, sardento, suado, errado… mas incomodamente sexy por saber transformar em arte e riqueza sua muito particular e perspicaz, e provavelmente cansativa e sofrida, sensibilidade para reparar cada milímetro do que há de mais ridículo escondido em cada fala e atitude humana. Quem diria que a cena mais vexatória de todas ocorreria, propositalmente, longe das câmeras. Se masturbar na frente de colegas de trabalho, constrangendo-as, apenas porque está embevecido demais pela própria existência? Que triste, Louis.
Mais recentemente, me encantei pelo comediante e ator Aziz Ansari. Assisti ao seriado “Master of None” desejando demais que o Brasil (e eu) pudesse fazer algo tão bom, atual, bem dirigido e despretensioso. O que vemos nas produções nacionais, e me incluo fortemente, é que sobra pretensão, sobram dezenas de histórias histriônicas e complicadas (e enfadonhas) e falta o que dizer, faltam experiência e liberdade de criar.
Grace, a menina que não quis dar o nome real e nem a xoxota, alterna em seu depoimento (que acusa Aziz de assédio) momentos de coitadice besta (“eu queria vinho tinto e ele me serviu branco”) com outros em que me solidarizei e reconheci. Quando, num date, o cara força a barra, dá mesmo um vazio horrível e um nojinho eterno. É mesmo confuso se queremos socar-lhe a face ou esperar pra entender o que está acontecendo. Não foi abuso, estupro e nem assédio. Mas certamente foi horrível.
Ainda bem que o mesmo mercado nos presenteia (espero que cada vez mais e ganhando melhores salários) com mulheres geniais como Lena Dunhan, Tina Fey, Tatá Werneck, Greta Gerwig… Nos casos de Allen e Aziz, paira uma esperançazinha no ar: será mesmo? Ou será que só o Louis teve coragem de assumir e, por isso, merece uma chance em nossos corações defeituosos e doentes? Só sei que está puxado admirar tantos admiráveis homens e que toda essa explosão feminista (sim, às vezes exagerada e chata, mas mais que isso urgente e necessária) precisava mesmo ter esse tamanho, essa demasia, esse pé violento numa porta emperrada há séculos, e irritar e inquietar e, se Deus quiser, transformar esse mundo em um lugar mais seguro e bonito para a minha filha.