Rogério Distéfano – O Insulto Diário
OS RESTAURANTES deram de confundir comer bem e comer bastante. Você chega, começa a olhar o cardápio e vem o garçom, só blandícia e cumplicidade, e informa: “nossos pratos são bem servidos”. Esse ‘bem servido’ não é qualidade do garçom; é atributo do prato, transbordante de comida. Comer bem é o mesmo que comer bastante. Bastante, aqui, não no sentido de suficiente, mas de muito, excessivo, demasiado. Dizem médicos e gurmês que comer bem não é se empanturrar. Antonio Houaiss, o do dicionário, dizia de sua dieta: “não como até enfartar”. Conhecido gurmê – meu pai levou-o certa vez para comer sopa de tartaruga em Curitiba -, parava antes de se sentir farto.
A informação não solicitada não estaca no ‘bem servido’. Tem complementos indispensáveis: “dá para duas pessoas” e “pode levar o resto para casa”. Aí começam os problemas. No mínimo quatro, não duas, pessoas enfartam com aquele prato ‘bem servido’. O costume de levar para casa está difundido no ethos e no pathos alimentar. Nem fomos os brasileiros os criadores, vem dos EUA. Porém para os brasileiros com um pé na Europa e outro na cozinha é um doloroso constrangimento sair do restaurante carregando uma quentinha; para isso existe o delíveri e a porta ao lado, onde se compra a comida-para-levar.
O garçom, antes gentil e mesuroso, agora mercenário indiferente, joga a quentinha sobre a mesa. Nessa hora o cliente sensível visualiza um cara na cozinha raspando os pratos e jogando na quentinha com um misto de nojo e desprezo; lembra da mãe, que limpava os pratos na mesa e ali mesmo os empilhava para levar à pia. À injúria segue-se o insulto: se você recusa a quentinha, tem xingamento da mulher – ‘estamos numa república, senhor barone del culo sporco’, barão da bunda suja, dizia meu avô. O máximo que o cliente consegue é o compromisso de não carregar, tarefa do filho emburrado. E sair antes da família, a pretexto de buscar o carro.