José Pires – Brasil Limpeza
Uma coisa não se pode negar em Ciro Gomes. Ele é um sujeito totalmente satisfeito consigo mesmo. Traz sempre um sorriso orgulhoso nos lábios enquanto vai pontificando, na explanação de seus sábios projetos. Já vai pra mais de três décadas que ele sabe exatamente o que o Brasil precisa. O sorriso tem algo de condescendente com quem ele está falando, pode ser interpretado também como uma certa arrogância, mas para mim ele sorri de satisfação com o que vai ouvindo dele próprio. É mesmo impressionante como Ciro Gomes gosta de Ciro Gomes. Tem momentos em que dá a impressão de que ele vai se levantar e aplaudir o que acabou de falar.
Neste sábado, a Folha de S. Paulo postou uma entrevista com ele, na sua “TV Folha”, do Youtube. O jornal pautou o título com recente comentário da senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, quando ela disse que “Ciro não passa nem com reza brava no PT”. Como tanto o PT quanto Ciro precisam desesperadamente de apoio mútuo, o presidenciável do PDT respondeu que isso é burrice do PT e que sente pena de Gleisi. A Folha aproveitou para dar o título à entrevista: “Ciro diz ter pena de Gleisi e que PT faz burrice”. É claro que na internet é essa desavença que vai se firmar.
Como o presidenciável anda desmentido até gravação em vídeo, é capaz dele dizer depois que não foi exatamente isso o que disse. Mas só quando ficar claro que não devia ter caído no bate-boca, já que precisa cativar o eleitorado do partido do Lula, além de ter a necessidade de encampar, pelo menos de início, a imagem de uma candidatura de unidade da esquerda. Mas é assim mesmo. Todo estourado tem a faísca atrasada quanto às consequências. E quem é que pode segurar o homem que disse que receberia a Polícia Federal “na bala” se o juiz federal Sérgio Moro ousasse mandar prendê-lo? Mas sente-se durante toda a entrevista que Ciro procurou lançar acenos de paz aos petistas. Não há dúvida de que funcionaria melhor se não dissesse que sente pena da Gleisi e acha que o PT faz burrice. Mas o Ciro é assim.
Mas a maior novidade da entrevista é um título de Ciro que até agora era desconhecido. Ele é professor universitário, da área do Direito. A informação veio dele mesmo, ressaltada para dar volume no currículo e para a sustentação de uma estranha teoria sua para justificar a bravata de que receberia a polícia “na bala”. Em defesa própria, diz o alegado professor de Direito, pode-se repelir um ato injusto. Nessa nova explicação jurídica, porém, ele mesmo explica que a reação dever ser “usando moderadamente dos meios necessários”. Quando foi questionado se esse “moderadamente” cabe em “receber a bala”, rapidamente retificou a lição, dizendo que poderia “atirar para cima”. Parece piada, mas é o Ciro.
Nesta questão de currículo, o político cearense está sempre dando destaque indevido para algo que de fato pode ter tido sua participação, mas nem sempre com a relevância que ele procura dar. A auto-propaganda funciona nas coisas que funcionam e serve também no que não deu certo. No primeiro caso, claro que o mérito foi todo dele. Quanto às questões problemáticas, essas poderiam ter sido evitadas se ele tivesse sido mais ouvido. Foi mais ou menos desse modo sua participação no governo do PT, que ele faz questão de afirmar que abandonou logo que notou que a coisa seguia por maus caminhos.
Outra lembrança que Ciro sempre traz é que foi ministro da Fazenda. Nesta entrevista ele diz: “comandei a economia do país”. Na situação em que está o país, é evidente a intenção do presidenciável. Porém, a verdade é que Ciro virou ministro da Fazenda numa emergência causada por uma crise política que levou à demissão do então ministro Rubens Ricupero, obrigado a sair do cargo quando houve o famoso episódio de uma conversa indevida nos bastidores de um programa da Rede Globo, em setembro de 1994, vazadas depois de captadas por antenas parabólicas. Em seu “Diários da Presidência”, Fernando Henrique Cardoso diz que Ciro não queria ocupar o cargo em razão de seu estilo. Receava também não conseguir controlar a inflação. Mas acabou aceitando. Seu nome foi sugestão do presidente Itamar Franco, com aceitação de Fernando Henrique. Ciro renunciou ao cargo de governador do estado do Ceará e ficou no ministério até o final do governo, com pouco mais de um ano no cargo.
Com Ciro na Fazenda, ainda conforme Fernando Henrique, perdeu-se a tranquilidade que havia com Ricupero, que conseguia assegurar a imagem política de que a economia tinha um comando único. No entanto, havia uma equipe capacitada cuidando do Real, enquanto seguia a campanha eleitoral. Com a eleição do tucano, Ciro não foi aproveitado no governo. Deve ser dito também que na continuidade da aplicação do Real, já no primeiro mandato de Fernando Henrique, por ambição política ele criou bastante complicação para o tucano. Já nessa época não era boa a imagem que Fernando Henrique tinha dele. Nos diários, o ex-presidente diz que Ciro é oportunista e age com leviandade. “Não sei se vem da idade ou se é algo mais persistente no caráter dele”, diz Fernando Henrique, afirmando também que acha isso uma pena, “porque ele tem talento”. O tempo parece ter comprovado que o problema não se devia à idade.