Ruy Castro – Folha de São Paulo
Calças jeans e camisas da Marinha para os garotos da festiva
Parece outro dia, mas 1968, um dos anos mais eletrizantes do século 20, já está fazendo 50 anos. A imprensa vem sendo pródiga em artigos a respeito, embora alguns de nós, seus sobreviventes, não reconheçamos o 1968 que eles mostram. Uma reportagem recente numa revista sobre “a moda de 1968” faz pensar que os rapazes e moças adquiriam suas roupas em butiques e já saíam delas uniformizados, prontos para a guerra.
Não era assim. Cada turma tinha um estilo. Os garotos da esquerda festiva e intelectualizada, como eu, torcíamos pelos vietcongues na guerra do Vietnã, mas não abríamos mão dos jeans americanos, marca Lee, comprados nas galerias de Copacabana a preço de contrabando. As camisas cáqui ou azuis, como as dos grumetes, só se achavam numa loja de artigos da Marinha, na praça Mauá, e se usavam com as mangas arregaçadas e fraldas para fora. Tênis, bonés e camisetas não existiam.
As meninas iam para as passeatas com blusas de malha sanfonada e minissaias de lã, tipo kilt, presas por um alfinete também de fralda, com as pernas expostas aos estilhaços das bombas de “efeito moral” jogadas pela polícia. O risco só não era maior porque suas minissaias eram complementadas por meias três quartos, que chegavam quase ao joelho. Nós, os rapazes, estávamos a salvo dos estilhaços porque aqueles jeans, justos nas pernas, tinham uma consistência quase de couro.
Mas, como eu disse, esse era o estilo dos que viveram 1968 como se ele fosse, por mais excitante, um playground. Naquele mesmo ano, outros rapazes e moças, estes com roupas comuns –eles, de camisa branca e calça escura, sociais, e elas, com vestidinhos feitos por suas mães–, muitos deles discretos moradores dos subúrbios, preparavam-se em silêncio para algo mais sério e suicida, e que só começaria a partir de 1969: a luta armada.
E assim você tem 1968, como se diz, numa casca de noz.