Os parças na praça

Tenho aprendido muito sobre o gênero humano frequentando praças. Em especial as que possuem equipamento de lazer para crianças. Nas férias e fins de semana vou a algumas delas com minha filha. Com o desemprego galopante, esses locais gratuitos reúnem consideráveis multidões.

Vê-se ali o pai de família com o bebê de colo, a vovó ajudante de mãe, o vovô corcunda, a babá no whatsapp e, claro, todo tipo de gurizada: do mal educado ao catarrento, da fofinha à menina má.

Os balanços, gira-giras, escorregadores ficam repletos de infantes e, depois de alguns minutos, um clima de intimidade ganha lugar entre os presentes. Viramos os parças da praça.

Em função disso percebe-se logo as singularidades de cada um daqueles atores. Bem ao meu lado direito vejo a “vovó espevitada”. É uma senhora já bem enrugada, mas ainda muito ativa. Acompanha a movimentação da netinha com vigor. Talvez até vigor demais. Agora, por exemplo, decidiu dividir a gangorra com a menininha e parece estar sentindo fortes dores na lombar. Uma das babás milagrosamente deixa uma mensagem de voz pelo meio e a resgata. Neta e avó abandonam o picadeiro; a primeira aos pulos, a segunda aos urros.

À minha esquerda há um “pãe”, o famoso pai que também acumula as funções de mãe. Cabelo puxado num coque chinês, barba por fazer, fala mansa e conversando com a cria num linguajar meio feminino. Excessivamente preocupado com as acrobacias da Manuela na casinha da árvore, o “pãe” é ainda maníaco por limpeza. Toda vez que a criança encosta as mãos no chão, lá vem um lenço umedecido em suas palminhas sujas.

No centro das operações surge alguém que encontro em todos as praças em que dou as caras. É a “mãe caga-regra”. Essa é como pardal, não há quintal público em São Paulo onde não haja uma. É a que está gritando para o rebento – e para os outros todos – sobre o que deve ser feito durante as atividades no local.

Minha filha, de cinco anos, acaba de subir no escorregador (pelo escorregador e não pela escadinha, ela é criativa). A filha da caga-regra, menorzinha, decide fazer a mesma arte. Só que fica patinando.

– Não sobe, filha! Essa menina vai cair, mas cada um sabe de si! – grita a caga-regra, olhando-me de soslaio.

É o tempo todo assim, uma verdadeira diretora de cena das antigas. Todos entreolham-se, embaraçados em função do mandonismo da senhora, mas obedecem: o perfil médio dos usuários de pracinhas é o politicamente correto. Já presenciei uma mãe dar um peteleco num moleque só porque ele insistia em chamar uma amiga de “menininha”.

– Antônio Augusto, o nome dela não é menininha, é Ana Laura, Ana Laura!

Antônio Augusto infelizmente esqueceu-se dos apelos da severa genitora e acabou repetindo a genérica denominação; foi atingido na pleura por uma dolorosa mãozada. As pracinhas me deram mais essa lição: a de que o modelo a ser seguido por todos os pais deve ser mantido mesmo que a solução seja uma intervenção matriarcal.

Ah, como é saudável aprender ao ar livre!

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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