Plano da equipe de Bolsonaro para a criação de um tributo semelhante à CPMF subestima riscos e obstáculos
De maneira discreta, o encarregado do programa econômico do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) formula —ou formulava— uma revolução no sistema de impostos do Brasil. Paulo Guedes, apresentado pelo candidato como seu mentor, vinha compartilhando tais ideias com empresários e executivos, em reuniões reservadas.
Não havia alarde até que seus planos fossem revelados por esta Folha —o que surpreendeu, pelo visto, o próprio Bolsonaro.
Este, ainda hospitalizado em razão do ataque a faca sofrido em 6 de setembro, tratou de negar que pretenda recriar a CPMF, a contribuição social sobre movimentação financeira cobrada até 2007.
A negativa não dá conta das ambições externadas por Guedes.
Embora haja detalhes a serem esclarecidos, sabe-se que o projeto é substituir vários tributos, incluindo a contribuição previdenciária patronal, por apenas um, incidente sobre os débitos em conta corrente (como a CPMF) —ou por dois da mesma natureza, mas com diferentes destinações da receita.
Haveria ainda o intento, mais obscuro, de introduzir uma alíquota única para o Imposto de Renda. Por si só, tal mecanismo tornaria o IR mais iníquo, ao reduzir a diferenciação por faixas de ganhos.
Já o superimposto do cheque em estudo precisaria de alíquota muito superior à de 0,38% vigente no passado, dado o objetivo de responder por uma parcela substantiva da receita da União.
A mera proposta de recriação da CPMF já seria controversa o bastante, dado o exotismo do tributo e os efeitos colaterais que provocaria na atividade econômica. Fazê-lo em escala tão ampla implica riscos ainda mais graves.
Qualquer reforma tributária afeta, de modo não inteiramente previsível, o comportamento de empresas e consumidores, os preços, a rentabilidade dos negócios. São comuns ainda episódios de subestimação ou superestimação de receitas, para nem falar de obstáculos políticos e jurídicos.
A taxação das transações financeiras se mostrou fácil e eficiente do ponto de vista da arrecadação, embora tornasse o sistema de impostos menos progressivo e mais hostil à atividade produtiva. Não há precedente internacional, porém, de uma cobrança nas dimensões imaginadas por Paulo Guedes.
O episódio reforça, ademais, os sinais de desorganização na candidatura de Bolsonaro, que não parece ter um centro de autoridade estável e coerente —o que não inspira confiança em um postulante ao mais alto posto executivo do país.
Se o candidato não sabia de proposta tão polêmica, cabe duvidar da consistência de sua plataforma; se sabia, não a expôs ao eleitorado. Em qualquer hipótese, demonstram-se improviso, despreparo e deficiência na prestação de contas.