A vida parece ter mais sentido agora. Embora continue sem direção. As pessoas inteligentes estão deixando as mega-empresas para abrir seus próprios negócios. Vendem pé-de-molque e cocada com a mesma empolgação com que ofereciam supercarrões a milionários enfastiados.
Os pais acompanham de perto o crescimento dos filhos, pois agora trabalham em casa. Uma pessoa sozinha pode viver desfrutando serviços comuns: salas de internet, cozinhas avançadas, lavanderias, escritórios equipados, sauna, banheiros públicos. Os parques estão infestados nos finais de semana. Uma aura de bondade paira sobre lagos, bosques, churrasqueiras, trilhas e pessoas. As ruas ficam para as hordas durante a noite. O retiro em paz das pessoas de bem está garantido por comida, vídeo/dvd, remédios e outras necessidades, tudo entregue em casa. O casulo está quentinho e aconchegante. Ronronamos de satisfação, refestelados no sofá. Como bichos gordos e macios rolamos pela sala, pelos quartos e outras dependências. Eletroeletronicamente nos conectamos com o mundo. O controle remoto é nosso rei.
De vez em quando fura o bloqueio a notícia triste de mais um motoboy que perdeu a vida para nos servir rapidamente e nos salvar. Ah, por um momento nosso coração se aperta! Mas logo vai começar mais um hiperfilme-catástrofe de supermegaimpacto emocional e excelentes efeitos visuais. Cheiro de pipoca com manteiga invade a sala – suspiramos e recuamos.
*Rui Werneck de Capistrano não é boldo nem nada