Nem todo avô é legal

Que tempos mais inocentes foram aqueles vendo SBT com meu avô

Tive o mais legal e fantástico dos avôs. Acho que já escrevi umas 200 vezes sobre ele. A gente assistia a Chaves juntos e ria de passar mal. Naquele episódio do churros, e também no de Acapulco, meu avô dava até uns tapas no braço do sofá, como quando rimos desbragadamente, de sair lágrimas. Que tempos mais inocentes e maravilhosos foram aqueles vendo SBT com meu avô Oswaldo, mais conhecido como seu Nito, que minha avó chamava de

Quando era dia de Chapolin, ficávamos meio deprimidos —além de não ser tão engraçado, sempre calhava de não ter nenhuma fritura para o almoço.

Meu avô tinha mania de higienizar todas as frutas com vinagre de maçã (incluindo as maçãs) e passei boa parte da infância achando que todas as frutas tinham gosto de maçã. Na manhã seguinte à noite que ele passou mal e morreu, encontrei na cozinha um copo com uvas verdes higienizadas que ele deixou para mim. Acho que nunca consegui contar isso a ninguém.

Às vezes meu avô me chamava de “stronza” (é tipo “bobona” em italiano) e era o jeito dele de dizer que me amava. Ele comia bolachinhas salgadas em formato de animais e bebia um licor de alcachofra chamado Cynar. Ele colocava minhas meias suadas atrás da televisão (sim, está naquela lista de coisas que pobres fazem, mas eu acho de uma riqueza incrível você esquentar as meias de um neto).

Sempre depois de qualquer refeição, meu avô zanzava rápido pela casa, batucando na barriga —dizia que era para fazer a digestão. Ele contava então a história de quando bateu o carro e o volante machucou sua barriga. Ele estava no hospital e iria ser operado, mas soltou um pum homérico e não precisou entrar na faca. Eu achava aquilo sensacional! Então, quando tudo parecer terrível, basta peidar? Isso obviamente não é coisa que se ensine para uma criança.

Meu avô era especialista em se livrar, sem querer, dos meus aparelhos ortodônticos. Eu embrulhava no guardanapo enquanto comia, e lá ia o aparelho para o lixo toda semana. Mas, como ele tinha mania de esterilizar tudo, metia o aparelho numa panela com água fervendo e o entortava todo. Meu pai ficava puto, porque era caríssimo fazer outro. Meu avô então respondia: “Melhor usar torto do que sujo”. Que pessoa espetacular era aquele avô.

Lembrei agora que ele tinha uma “casinha meteorológica”. Quando ia chover, um homenzinho com capa de chuva saia da casinha. Quando ia fazer sol, uma menina de saia colorida aparecia. Como ele tinha pavor de que eu ficasse doente, era só o desgraçado do homenzinho dar as caras que ele me enchia de camadas de roupas. Acho que nunca tomei chuva antes dos 15 anos de idade.

Eu paquerava o Sandrinho da mobilete e, quatro horas antes do horário que ele costumava passar, eu já começava a pentear meu cabelo e espiar pela janela. Meu avô ficava enciumado, mas se controlava. Só que a certa altura eu comecei a sofrer, e isso ele não poderia aturar. O Sandro estava paquerando outra e tinha sumido. Meu avô aguardou pacientemente o rapaz surgir numa tarde de verão e tacou uma roda de carro nele.

Enfim, esta coluna era para falar que nem todo avô é legal ou merece nossa compreensão e carinho apenas porque está velho. E que o Silvio Santos, que eu sempre admirei, se mostrou um babaca, machista, racista. Mas acabei sendo tomada por um texto de amor, que é o que anda faltando muito no mundo.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
Esta entrada foi publicada em Tati Bernardi - Folha de São Paulo e marcada com a tag . Adicione o link permanente aos seus favoritos.
Compartilhe Facebook Twitter

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.