Tomem tento, excelências!

Com todas as vênias do universo! Esse doutor Jaime Martins de Oliveira Neto, que ora preside a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), é um grandessíssimo cara-de-pau! Na eminência de receber um aumento salarial de 16,38%, advoga a manutenção conjunta daquela excrescência denominada “auxílio-moradia” e paga generalizadamente, no valor de R$ 4.377 mensais.

Em petição enviada ao ministro Luiz Fux, relator da matéria no STF, o notável capa-preta sustenta que, se houver o reajuste e a extinção do auxílio-moradia, os magistrados passarão a receber menos do que hoje recebem, porque incidirão sobre o valor reajustado tributos que não incidem hoje sobre a ajuda moradia.

Do alto de seu cargo e sem sequer enrubescer, argumenta:

“Não parece razoável que a concessão da Revisão Geral Anual dos subsídios [o reajuste salarial] venha a impor uma redução do valor nominal ou real da remuneração atualmente recebida pelos magistrados”.

Não é apenas “razoável”, como obrigatória e moralizadora, doutor Jaime. Essa prática, que se disseminou qual uma praga, contemplando juízes, promotores e assemelhados, ainda que residentes em casas próprias, desmoralizou toda a classe togada e provocou engulhos em toda a população brasileira.

Com o reajuste aprovado no Senado no dia 7 e sancionado pelo presidente Temer, o salário dos ministros do STF irá dos atuais R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil. Como consequência, haverá um aumento imediato para todo o Judiciário e todo o Ministério Público federal. Em seguida, estender-se-á ao Judiciário e Ministério Público estaduais, ao Legislativo federal e estadual e aos Tribunais de Contas idem.

Há quem ache pouco. Como o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, por acaso autor de um livro intitulado “Ética geral e profissional”:

– Aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% (vinte e sete por cento) de desconto do Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno e não dá pra ir toda hora à Miami comprar terno, pois a cada dia da semana ele tem que usar um terno diferente, uma camisa razoável, um sapato decente, ele tem que ter um carro, né?

Aí, vem-me à mente as figuras de meu pai e de meu sogro. O primeiro, promotor de Justiça; o segundo, juiz de Direito, que não precisavam ir a Miami comprar terno, não usavam um terno diferente por semana e nem carro tinham. Nas várias comarcas em que atuaram, sempre pagaram a moradia com o próprio salário. Não havia um tostão de ajuda. Meu sogro, então, quando assumiu a comarca de Antonina e a filha, minha futura mulher, começou a ter problemas com a pressão arterial baixa, mandou a família para Curitiba, onde também não tinha residência própria e foi obrigado a alugar moradia. Na comarca, foi morar em uma pensão. Ambas as despesas saíram do bolso dele. E olha que, naquela época, juízes e promotores ganhavam uma merreca.

Já disse aqui e repito: ninguém nega o direito de magistrados serem bem remunerados. Exercem cargos e funções de relevância e responsabilidade. E, se o fazem com correção e eficiência, merecem o que ganham e talvez até mais. O que não se admite é que os senhores da toga continuem formando uma casta superior a todas as outras, forrada de privilégios e imune a erros e a críticas. A remuneração deve ser justa, mas também clara, transparente e sem penduricalhos reprováveis e indecentes.

O “auxílio-moradia”, assim como outros tantos benefícios autoconcedidos por integrantes da magistratura, do ministério público, dos tribunais de contas e do legislativo, dissimulados como “verbas indenizatórias”, precisam, sim, acabar de vez, sem exceções que deem margem para voltar a ser regra geral. É primordial para, no mínimo, devolver a dignidade perdida por suas excelências.

Não obstante, o coordenador da Frentas (Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público) e presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), Guilherme Feliciano, acaba de afirmar que o auxílio-moradia do Judiciário é um “direito legal” e que estuda uma contestação ao veto da continuidade do auxílio determinado pelo ministro Fux, do STF.

E é essa gente que nos julga!…

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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