Às vezes, vale a pena ser brasileiro
O Choro na Rua é um grupo de choro que, uma vez por mês, abrilhanta as tardes cariocas. Pode ser na rua do Rosário, na praça Saenz-Peña, na histórica Pedra do Sal ou mesmo em Niterói. Sábado último (24), foi na praça do Jóquei, na Gávea. Eles iam chegando e tirando os instrumentos: Silvério Pontes, trompete; Maionese, flauta; Daniela Spillman, sax-tenor; Henrique Cazes, cavaquinho; Charles da Costa, violão; Rogério Caetano, sete cordas; Rodrigo de Jesus e Netinho, percussão. A estes, juntavam-se os amigos —mais violões, mais percussão, um acordeon. No choro, sempre cabe mais um.
No começo, a praça estava vazia. Melhor assim, será para poucos. Mas ninguém deve subestimar a força dessa música. Não há disco, por mais bem gravado, que se compare à vibração de um grupo de choro ao vivo. O mais próximo em comparação é o jazz de New Orleans, mas este já se petrificou, enquanto o choro não para de inventar possibilidades. E, então, em meio a um repertório de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Zé Menezes, Waldir Azevedo, Geraldo Pereira e outros mestres, olhei em volta —praça lotada, pés marcando o ritmo, sorrisos em todos os rostos.
Foi quando ameaçou chuva. A princípio, pingos isolados. Depois, uma garoa fina, renitente. Chuva e instrumentos musicais não combinam —o estrago é grave se a água penetra. Mas a música não parou e ninguém arredava pé. Marília, mulher de Cazes, adiantou-se e abriu um guarda-chuva sobre o cavaquinho do marido. Foi a senha. Outras mulheres, amigas ou apenas fãs dos músicos, abriram também seus guarda-chuvas e foram protegê-los. Cada uma adotou o seu, e o choro se impôs, à espera de um arco-íris que não veio e não fez falta.
O cantor Pedro Miranda, a quem a música carioca já deve mais do que pode pagar, puxou o “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha. Sob a chuva, a praça inteira cantou.
Às vezes, vale a pena ser brasileiro.