João Antônio, autor, entre outros, de um clássico da literatura brasileira – Malagueta, Perus e Bacanaço (Cosac Naify), foi camarada de minha melhor estima, numa amizade que durou até a sua (trágica) morte em 1996. Aprendi muito com ele e, penso, talvez tenha ele aprendido alguma coisa comigo, em nossa interlocução acossada, e quase sempre febril, por mais de vinte anos.
Várias vezes sondado a entrar para a Academia Brasileira de Letras, o velho João Antônio, supersticioso até a última raiz do cabelo, a ponto de manter figas e velas espalhadas pelo apartamento de Copacabana, à menor insinuação, fugia do convite como o Diabo da cruz. Ah, não pronunciava também a palavra Diabo… E disfarçava sempre, feito um menino atrapalhado, a cada vez que o tema da recusa à ABL vinha à baila.
Num de nossos inumeráveis porres, ao tempo em que eu fazia cá deste “corpitcho” um assombroso rali Paris-Dacar, e, João Antônio, não menos, embora a saúde já então precária, acabou me confessando: temia a desgraça da esterilidade literária que fatalmente se seguiria ao seu eventual ingresso na ABL.
E, ato contínuo, destilou rol de nomes, inclusive de alguns titãs literários, do passado ou do presente, que, depois de admitidos na Academia Brasileira de Letras, tornaram-se mais secos que um figo seco. E ria a sua risada indecente, sobretudo ao fim do vigésimo nono chope, entremeado de stanheguer.
Lembrei isso aí a propósito das notícias dando conta de que a escritora inglesa Doris Lessing classificou ter ganho o Prêmio Nobel de Literatura do ano passado, como um “desastre maldito”. Vociferou em coletiva à imprensa que a premiação só tinha lhe trazido desgraças. E que havia se apressado em “torrar” os 2 milhões e meio de dólares, distribuindo-os entre amigos, filhos, netos e parentes.
Claro, Lessing não precisa de dinheiro. Além de já estar na chamada “prorrogação existencial”, posto que 88 anos não se contam nos dedos, nem dos pés e das mãos juntos, recebe, e sempre recebeu, uma fábula em direitos autorais.
As desgraças trazidas pelo Nobel são muitas, segundo ela, sobretudo as das entrevistas a que se vê obrigada a conceder, cinco a seis ao dia, sem contar as insuportáveis sessões de foto. Não detalha o inferno em que também se meteu às voltas com toda sorte de “instituições filantrópicas” – dos escritores sem-livros da Nigéria aos desabrigados de terremotos e furacões…
Declarou ainda Ms.Lessing que não conseguiu, desde o Nobel, escrever uma linha sequer. O que é um descalabro para uma escritora fecunda como a autora de O carnê dourado. O mais recente livro, Alfred & Emily, já o tinha pronto muito antes do prêmio, explicou aos jornalistas.
Estava certo o saudoso João Antônio. Há ouros que são ouros, sim, mas da discórdia.