General Mourão e seu aval de pai coruja

É tão absurda a resposta do general Hamilton Mourão sobre a nomeação de seu filho para um cargo no Banco do Brasil, que na primeira olhada pode-se pensar em alguma piada de adversários, nesses memes com ataques políticos compartilhados nas redes sociais. Parece fake news criada para complicar o governo de Jair Bolsonaro, mas foi mesmo postada no Twitter por seu vice. Mourão justifica a nomeação com a alegação de que foi por merecimento profissional de seu filho. Para a piada ficar completa, ele afirma o seguinte: “Em governos anteriores, honestidade e competência não eram valorizados”.

Como se a conseqüência política pudesse ser amenizada por uma suposta capacitação profissional do nomeado, que aliás não vem sendo contestada em lugar algum. Nem é citada. A questão é outra e de conseqüência muito grave. É provável que os longos anos de caserna, quando esteve protegido por uma forte couraça corporativista e longe dos olhos da opinião pública, tenha forjado no general uma personalidade insensível ao estrago que certos gestos podem infligir a um governo, tanto no respeito e confiança junto à população quanto nas relações com as instituições e os políticos. Daí sua dificuldade de entender a dimensão do problema da nomeação do filho que tanto admira.

Nunca se viu algo assim, em governo nenhum desde a redemocratização, até pelo fato de termos à nossa frente a dificuldade extra — até previsível quando foi montada uma chapa com dois militares — de uma confrontação de poder em que o dono da caneta (ainda que seja apenas uma esferográfica) é de patente menor. A questão da nomeação adquire uma dimensão ainda maior como o apoio público de Mourão. É óbvio que a manutenção do filho dele no cargo acaba com a imagem que criou o fenômeno Bolsonaro. Vai demolir a credibilidade do governo na articulação com os políticos, anulará a respeitablilidade junto à população e contribuirá para desmobilizar o apoio espontâneo nas ruas e nas redes sociais. E evidentemente deixará os petistas gargalhando de satisfação.

Como foi que o governo conseguiu montar uma questão tão destrutiva? Caso o presidente Bolsonaro não interfira prevalecerá a impressão de que afinou pela diferença de patente e de uma provável influência de Mourão junto aos militares. O conflito de autoridade é muito forte. O poder do presidente não chegará a mudar de mão, mas um naco razoável ficará com o vice. E caso Bolsonaro encare o problema, anulando a nomeação, abrirá uma divergência pessoal muito séria com seu próprio parceiro de chapa. A resposta para tudo isso dependerá do desenrolar do processo que já está em andamento, mas já é possível dizer que nem uma oposição altamente qualificada conseguiria criar uma encrenca tão séria.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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