Um pai deixa um legado digital de violão e voz para a filha
A música popular é assim: comporta compositores tão ou mais famosos do que sua obra e outros cuja obra parece ter nascido das esferas, já que não é imediatamente associada a eles. Exemplos? Todo mundo sabe que “Samba do Avião”, “Wave” e “Águas de Março” são de Tom Jobim. Mas de quem são “Estamos Aí”, “Batida Diferente”, “Chuva”, “Tristeza de Nós Dois”, “São Salvador”, “Nuvens”, “Samba Novo”, “E Nada Mais”, “Sambop” e “Moça Flor”, tão familiares a quem gosta de bossa nova?
São de autoria do violonista Durval Ferreira com algum de seus brilhantes parceiros, como Bebeto Castilho, Mauricio Einhorn, Lula Freire e outros, e foram feitas nos anos heróicos da bossa nova, entre 1958 e 1966. “Estamos Aí” e “Batida Diferente” marcaram a carreira de Leny Andrade; “Chuva” e “Sambop”, a de Claudette Soares. Famoso, mas só no meio musical, havia também o Durval instrumentista e técnico, que produziu mais de 200 grandes discos alheios e se deu ao luxo de fazer um único em seu nome, em 2004. Morreu em 2007, aos 72 anos.
Há meses, a cantora Amanda Bravo, filha de Durval, levou seus arranjos e músicos a um estúdio em Niterói para gravar seu primeiro CD —não por acaso, ao estúdio favorito de Durval. Lá, ouviu do técnico Fabio Motta que, pouco antes de morrer, seu pai “deixara um presente” para quando ela quisesse gravar um disco.
O presente era um arquivo digital com as bases de violão por Durval, no exato tom de Amanda, de canções como “Chega de Saudade” e “Os Grilos”, dois pilares da bossa nova. Amanda teria apenas de acrescentar sua voz e seu pessoal. Durval deixou-lhe também um arquivo com sua própria voz e seu violão em “E Nada Mais”, para que, como já tinham feito tantas vezes, os dois voltassem a cantar juntos.
O resultado é “A Bossa do Beco”, um disco em que o talento, o amor e a tecnologia fazem da música, sem jogo de palavras, um eterno presente.