Sabrina Bittencourt liderou denúncias por crimes sexuais que desmascararam líderes religiosos como o guru Prem Baba e o médium João de Deus
Sabrina de Campos Bittencourt, 38 anos, que dedicou-se à luta contra o assédio sexual praticado por líderes religiosos, ajudando a denunciar, entre outros, o guru das estrelas Prem Baba e o “médium” João Teixeira de Faria, o João de Deus, cometeu suicídio no último sábado, 2, por volta das 21h, em Barcelona. Em forte carta de despedida, Sabrina registra as motivações que estavam vinculadas ao seu trabalho que lhe rendeu o título de Doutora Honoris Causa humanitário pela Universidad del Centro, México.
Em nota de falecimento lançada no final da manhã deste domingo pela ONG Vítimas Unidas, parceira de Sabrina, Maria do Carmo Santos, presidente da organização afirma que “a luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”.
Procurada pelo Extra Classe, Maria do Carmo, profundamente abalada, disse que muitas vezes o trabalho de desmascarar “lideranças” religiosas como Prem Baba e João de Deus traz como ônus uma forte carga emocional e ameaças. “Antes éramos histéricas, mulheres de sovaco cabeludo, e agora até estamos sendo acusadas de tráfico de crianças”, indigna-se. De acordo com a ativista, essa pressão foi determinante para o ato extremado de Sabrina.
Em sua nota, a Vítimas Unidas ainda pede que a família seja preservada de “perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil”, registrando que dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabiam do ocorrido.
“O grupo Vítimas Unidas comunica com pesar o falecimento de Sabrina de Campos Bittencourt ocorrido por volta das 21h deste sábado, 02 de fevereiro, na cidade de Barcelona, na Espanha, onde vivia. A ativista cometeu suicídio e deixou uma carta de despedida relatando os porquês de tirar sua própria vida. Pedimos a todos que não tentem entrar em contato com nenhum integrante da família, preservando-os de perguntas que sejam dolorosas neste momento tão difícil. Dois dos três filhos de Sabrina ainda não sabem do ocorrido e o pai, Rafael Velasco, está tentando protege-los. A luta de Sabrina jamais será esquecida e continuaremos, com a mesma garra, defendendo as minorias, principalmente as mulheres que são vítimas diárias do machismo”, ressalta a nota da ONG.
O marido de Sabrina, Rafael Velasco, foi quem informou o suicídio ao Vítimas Unidas e pediu que a morte de Sabrina fosse informada aos meios de comunicação e amigos. Velasco ainda disse que o filho mais velho de Sabrina, Gabriel Baum, está passando muito mal. Ele foi o primeiro a confirmar no Facebook a morte da mãe: “ela só se transformou em outra matéria, nós seguiremos por ela”, escreveu. Segundo ele, a ativista deixou mais de 300 vídeos, além de cartas e provas de abusos cometidos por líderes espirituais. “Ela deu o último passo pra gente poder viver. Eles mataram minha mãe”, desabafou.
Vítima de um histórico de abusos e ameaças
Sabrina Bittencourt foi uma das criadoras do Combate ao Abuso no Meio Espiritual (Coame), plataforma que reúne denúncias de violações sexuais cometidas por religiosos. De família mórmon, ela sofreu abusos desde os 4 anos por integrantes da igreja frequentada pela família.
Foi a partir desse histórico pessoal que a ativista passou a dedicar sua vida a defender vítimas de abuso e a desmascarar líderes religiosos. No caso João de Deus, Sabrina chegou a ajudar a filha do próprio médium, Dalva Teixeira, na denúncia contra o pai por abuso. A partir das denúncias, o MP de Goiás denunciou João de Deus à Justiça, que decretou a prisão do médium. Ele está preso desde 16 de dezembro.
Em recente entrevista, na qual prometia denunciar, neste ano, outros 13 líderes religiosos por abuso, Sabrina registrou: “Jamais imaginei que a partir do lance do Prem Baba eu ia conseguir receber 103 relatos de 13 líderes espirituais diferentes a partir de um único post no Facebook. Com João de Deus, estamos tratando de uma elite, de celebridades, de pessoas que viajam para a Índia, que podem ficar três meses em Abadiânia apenas sendo voluntária. Estrategicamente, vou apresentando os mais favorecidos. Agora, quando consigo mostrar para a sociedade que mesmo João de Deus, que há 40 anos é o intocável, que já mandou matar uma porrada de gente, que é multimilionário, e mesmo assim a gente conseguiu desmascarar, aí as mulheres que são abusadas por pastores e padres, mulheres negras de uma camada menos favorecida, elas vão criar coragem para falar.”
Alvo constante de ameaças de morte, ela vivia em Barcelona, Espanha. Em virtude de pressões e ameaças de morte, mudava de país com frequência, sem registro de ingresso de fronteira.