Recluso

Cansaço era o que eu sentia. O tempo todo, pelo que lembro. Mesmo jovem, quando meus amigos aloprados de adrenalina queriam viajar e beber e dançar e protestar e mudar o mundo, eu os seguia em um ou outro evento, sempre bocejando e com o olhar num ponto distante qualquer.

Meu mundo era interno,  maravilhoso e imenso. Apreciava sentar-me apenas com um do outro lado da mesa, para conversar e alimentar, em via dupla, sonhos de validade curta. Estar com mais de três era um tormento inviável. Multidões drenavam minha energia a ponto de me sentir um ponto pálido quase transparente. Aquele espetáculo dos Rolling Stones por pouco não me aniquilou. Não pela música, mas através da massa humana. Mudei para longe da cidade, para o meio do nada, o meio do mato. Revigorei. Compras, apenas pela internet. Nunca mais precisei entrar num mercado. O silêncio da terra pura era abundante de sussurros em segredos, que nutriam meus universos internos. Meus cães e pássaros me observavam, enquanto eu conversava com eles sobre a estupidez da humanidade e o sagrado inerente a eles, os animais. A ruptura com a civilização minguou as poucas visitas que recebia de amigos ou família. Nunca estive em redes sociais e parei de ver meus e-mails logo que cheguei neste lugar.

Uma manhã, minha cadela sentiu falta de minha tagarelice. Foi até meu quarto, subiu a minha cama e constatou que eu havia desaparecido enfim. Só restava um morno residual onde meu corpo dormia.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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