Sorria! Você está sendo cremado

Charcon era chefe de um setorzinho em que só trabalhavam mulheres neurastênicas e sensíveis. Umas amores, coitadas. Parecia cada uma delas precisar urgente de um tipo específico de especialista. De manicura a um bom lacaniano. Mas eram tão cheias de crenças nos valores da Empresa. Fariam o que fosse preciso.

Tudo e qualquer coisa. Por uma revolução humanitária plena. Charcon gostava de tê-las ao par dos olhos. Investigava com um mórbido prazer lá no fundo delas de onde vinha aquela crença toda. De onde a cegueira ingênua em não perceber que não faziam a mínima diferença. O exercício de injúria praticado ali contra elas e à permissão de todos servia como sofisticação da performance pública que as criaturas iriam desenvolver fora daqueles portões.

E a cada mês, bimestre, ano, a equipe formada pelas moças de Charcon rasgava a carne do corpo para alimentar a fome das bestas que elas sonhavam civilizar. Esgotadas e destituídas de qualquer lirismo, as moças eram uma a uma substituídas por outras que perpetuavam o discurso de crença na Estrutura.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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