Uma questão de zeros

João Gilberto teve sua música lançada em todos os formatos existentes na era dos discos

João Gilberto ganhou em segunda instância seu processo contra a gravadora Universal, sucessora da EMI-Odeon, onde gravou seus três primeiros LPs, lançados entre 1959 e 1961, por royalties não recebidos. Ainda cabe recurso e João Gilberto, 87 anos, terá de se transformar em Matusalém para ver os R$ 173 milhões que a Justiça determinou a seu favor. 

O processo consistia no cálculo dos discos vendidos e dos efetivamente pagos ao cantor. Segundo a gravadora, João Gilberto, por não ser um campeão de vendas e seu prestígio ter declinado com os anos, teria direito a receber por cerca de 60 mil LPs.

Mas o cálculo passou a incluir outras variáveis. A obra de João Gilberto na Odeon somou 39 fonogramas —que não saíram apenas nos três LPs. Foram também comercializados em formatos hoje esquecidos, mas que, antes do CD, eram os vigentes no mercado e todo mundo usava.

Esses formatos eram os discos de cera, de 10 polegadas, com uma faixa de cada lado, em 78 r.p.m., que existiram até 1963; os discos de vinil, de 7 polegadas, em 45 e 33 r.p.m., com uma ou duas faixas de cada lado, chamados compactos simples ou duplos; e os LPs propriamente ditos, de vinil, de 12 polegadas, em 33 r.p.m., com seis faixas de cada lado. João Gilberto teve cada um de seus 39 fonogramas lançado em todos esses formatos e em várias edições, como se nota pelos diferentes materiais das capas e pelo design dos selos. Sem contar as edições internacionais —o LP argentino de “Chega de Saudade”, por exemplo, chamou-se “Basta de Nostalgias”— e a inserção desses fonogramas em antologias de bossa nova ou temáticas (como a do LP “João Gilberto interpreta Tom Jobim”), aqui ou lá fora.

Pegue agora tudo isto e transporte para a era do CD, onde, em toda parte, exceto no Brasil, esse material circulou vastamente nos últimos 30 anos. E acrescente alguns zeros àquele cálculo dos 60 mil.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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