Até posso respeitar, mas não entendo a mulher que quer ser sustentada

Já quis homem rico, mas nenhum deles foi mais importante que o meu trabalho

Aos 20 anos, eu queria um homem rico. Isso ficou claro quando meu namoro com um rapaz parecido com o Johnny Depp não foi adiante porque ele dividia conta de sorveteria e tinha voz de mano: as palavras saíam parcas e sofridas, como soquinhos secos no ar.

O tipo de personalidade que nunca convenceria ninguém a lhe dar um emprego bem remunerado.
Eu tinha fetiche em homem com carrão, que me levasse para viajar com hospedagem em hotéis caros e para jantar em restaurantes chiques. E que falasse de reuniões e projetos e intrigas, e deixasse claro o tamanho do seu poder perante funcionários solícitos.

Eu estava comendo o cara que mandava, então eu estava no topo da cadeia alimentar. Eu interpretava o papel “gatinha caipira me ensina a viver nossa você é o máximo”, e o jogo dava tão certo que alguns deles se apaixonavam pra valer.

O sucesso que eu fiz no quesito amor, naqueles tempos em que vestia o uniforme de sonsa deslumbrada, eu jamais farei de novo na vida.

Cheguei a namorar alguns playboys coxas de São Paulo. Aquele estilo que invade acostamento na estrada porque se acha bom demais para ficar parado no trânsito. Que escuta música eletrônica de DJ gringo amigo do amigo e toma droguinhas e dá murrinhos no teto solar do carro pra comemorar uma vibe superintensa que emana do seu ânus de riquinho trouxa.

Nunca peguei um feioso ou burro ou do mal. Eram ricos, mas eram limpinhos.

Eu tinha preferência pelo empresário self-made man com angústia de artista. Aquele que viera de porra nenhuma e vencera na vida, mas estava só esperando fazer o primeiro milhão para voltar para as aquarelas e o violão. Nada era mais sexy do que o homem que comia como pobre, mas pagava a conta como rico (e depois tomava antiácido, porque queria mesmo era estar fazendo poesia).

Mas eu tinha 20 e poucos anos, e uma hora eu fiz 20 e muitos, e depois 30, e agora 40. Há muito tempo entendi que os ricos eram uma fase estranha, e não um gosto real.

Depois deles tive a fase esportistas, comediantes, depressivos, gays, cardiologistas (era muito tesudo ter um homem que a qualquer momento poderia me auscultar e dizer que estava tudo bem ou me fazer uma receita de betabloqueador), psiquiatras (era muito maravilhoso brincar de “a cada ponto que você fizer no ‘DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais’, tira uma peça de roupa”).

E, quem diria, tive também uma longa fase “intelectuais pobres que ganham dois mil reais para ficar três meses traduzindo um livro do russo para o português” e gostam de encher a boca (de amendoins baratos) e rir desse Brasil que tem rico, mas não tem elite. Não são nem mais felizes nem mais infelizes que os outros.

Com a idade, aprendi a substituir fases por relações e personagens por amores. Dito isso, nunca nenhum deles foi mais importante que o meu trabalho. Portanto, posso até respeitar mulheres que procuram uma relação que as sustente, mas jamais as entenderei.

Sobre Solda

Luiz Antonio Solda, Itararé (SP), 1952. Cartunista, poeta, publicitário reformado, fundador da Academia Paranaense de Letraset, nefelibata, taquifágico, soníloquo e taxidermista nas horas de folga. Há mais de 50 anos tenta viver em Curitiba. É autor do pleonasmo "Se não for divertido não tem graça". Contato: luizsolda@uol.com.br
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